quinta-feira, 22 de março de 2012

Sobre a fusão do RJ com a GB e seus reflexos na PMERJ









O Estado do Rio de Janeiro poderia ser alçado ao topo dos lugares em que as pessoas somente fingem ser felizes. Parece mulher feia a se lambuzar em cosmético para se apresentar sempre à meia-claridade: brilham-lhe os dentes artificiais porcelanizados e as lentes de contato realçam-lhe a falsa cor dos olhos. Aqui no RJ nada precisa estar bem, basta insinuar que está e o resto é propaganda enganosa com o intuito de vencer o tempo e amortecer a dura realidade de que tudo vai de mal a pior.
Para mim, a descontrolada entropia do lado de cá da baía começa com a fusão do antigo RJ com a GB, em esmagamento da autoestima de fluminenses e cariocas, com ambos fingindo ser o que não são e escamoteando frustrações em falsidades elegantes. Enquanto isso, muitos de lá e de cá derramam iras ostensivas ou surdas. As amizades e o parentesco entre alguns garantem um mínimo de veracidade nas relações interpessoais e institucionais a justificarem a bela ponte. Fosse um túnel, o escoamento das riquezas do RJ para a nova capital seria mais apropriado, pois se resumem ao petróleo... O resto tão-somente se emoldura na “persona” que volta e meia desaba e mostra muitas caras ocultas em cinismo atávico.
Sobre a entropia, basta focar Niterói e São Gonçalo. Ah, velhos tempos que não voltam mais!... Claro que os construtores republicanos da ponte sabiam adrede que o petróleo jorraria!... E apostaram na fusão para acoplar a ventosa da sanguessuga a ser alimentada pelo óleo negro. Lembra o café torrado e desviado para além-mar nos idos monárquicos e imperiais, com a Corte e depois a Capital Federal a mamarem as riquezas minerais e vegetais do resto do Brasil. Como então os descendentes da sanguessuga do café, do pau-brasil e dos minerais exauridos poderiam sobreviver sem o ouro negro? Como suportariam um Estado do Rio de Janeiro prestes a se tornar rico e, em consequência, modernizado, sofisticado, com serviços públicos excelentes, e com o povo fluminense feliz na convivência social? Qual!... Os descendentes do Poder Central foram para Brasília, mas não deixaram seu rincão predileto abandonado. Tornaram-no “Estado” sem Municípios e lhe garantiram sobrevivência vampiresca, pondo aqui o sangue nacional agora feito de petróleo...
A constatação da existência de petróleo abundante – o sangue – motivou todo o resto. E à sanguessuga bastou agarrar-se antecipadamente ao corpo rico para sugá-lo sem sair do lugar. Daí a ponte, espécie de tubo sugador (a ventosa) ligando a voracidade carioca ao alimento fluminense, não dando ao antigo RJ mais que um papel coadjuvante nas cenas de risco para o carioca garantir seu eterno glamour, que, aliás, não se perdeu na transferência do poder político para Brasília. Para lá seguiu a filha da sanguessuga que aqui ficou a sugar o alimento negro. Já os vazios fluminenses foram preenchidos pela pobreza migrada de lá para cá, fazendo surgir uma favela atrás da outra até formar um foco de miséria onde antes só havia a mata virgem dentro das zonas urbanas. E, nos dias de hoje, à miséria foi acrescido o domínio do banditismo armado do tráfico. Enfim, nenhum lucro, só prejuízos...
Hoje, no antigo RJ, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, de qualquer centro urbano se pode visualizar o entorno favelado e a pauperização regada a suor e sangue dos miseráveis nos deslizamentos mortais de barreiras ou em virtude dos buracos de bala. Perdemos a mata virgem e ganhamos de presente a desgraça de vermos a miséria e a violência alastrarem na proporção direta do escorrer dos royalties das terras fluminenses para as plagas gananciosas da nova capital. Aliás, é este mesmo centro de decisões que investe em descaramento o dinheiro nosso e ainda nos convoca para a defesa dos royalties, como se dependêssemos da ex-GB para existirmos no mundo pátrio.
Ora, não houvesse fusão os guanabarinos estariam por aqui à cata de trabalho, e não o contrário que amargamos nas travessias dolorosas por barcas carcomidas e veículos de passagens caras, para chegarmos à capital concentradora do dinheiro nosso. E dentre essas migrações há a dos militares estaduais fluminenses, feita “a pau e corda” (modo histórico de recrutamento dos primeiros “corpos dóceis” das forças policiais nos idos monárquicos e imperiais), a engrossar efetivos de UPPs, deixando como contrapartida o vazio nos quartéis interioranos já mirrados se comparados com os efetivos anteriores à fusão, e mais ainda deteriorados em função do crescimento populacional e da franca expansão do crime. Enfim, o interior do RJ produz “petróleo humano” para alimentar o glamour da capital.
Nada contra ninguém, somos todos brasileiros, mas não se há de negar a importância dos regionalismos pátrios e muitos menos abominá-los como se fosse possível destruir cultura por decreto. No caso do antigo RJ, o poder político dito “ditatorial” escarrou na nossa cara e o poder político dito “democrático” nos escarra em dobro. E é nesse contexto desinfeliz que está a atual PMERJ, fruto híbrido decorrente da fusão de duas tropas com diferentes histórias e absolutamente contrárias ao status quo atual. Por que nós, treme-terras, sofremos a esquivança dos federais e guanabarinos quase que nos culpando pela fusão. Daí estarmos num segundo plano que aflora em dia especial: 14 de abril. Pois neste dia, em 1835, a Força Policial da Província Fluminense foi criada e forjou sua história em guerras estrangeiras e outras lutas no seu torrão. E é aviltante assistirmos à nossa comemoração como autênticos coadjuvantes de uma corporação que não é a nossa, e que nos tomou de assalto, de tal modo que os treme-terras sentem-se intrusos em seus próprios quartéis.
Sim, nós, oriundos da PMRJ, fomos engolidos pelo “Leviatã” formado por PMDF e PMEG, que nos chutou a escanteio e festeja sua criação em 08 de maio desde a fusão de 15 de março de 1975, esta que, na verdade, sepultou as duas datas (14 de abril de 1835 e 13 de maio de 1809). Mas nós, treme-terras, temos sido desde então apenas alimento consumido pela PMERJ (o “Leviatã”), tal como a “Cidade Maravilhosa” suga nosso petróleo... Por isso não mais participo de solenidade alguma em 14 de abril. Envergonha-me saber que a festinha não passa de encenação, “coisa de treme-terra” a incomodar quem não se interessa por festejos alheios. Parece festa de genro a acariciar a sogra, preferindo, porém, vê-la morta, sepultada e descendo ao inferno. É como me sinto quando compareço àquela festa de 14 de abril, em indignação, que, todavia, não se destina a nenhum militar estadual das corporações simultaneamente aviltadas, nem de ontem nem de hoje, mas se endereça aos poderosos políticos de ontem e de hoje que decidiram e ainda decidem nossos destinos sem ouvir ninguém: nem o povo, nem seus segmentos sociais organizados, nem as instituições, nem os cidadãos individualizados. No fim de contas, mudaram os regimes, governos se sucederam, mas a sanguessuga é a mesma, ou seja, foi parida pela fusão para se alimentar do petróleo fluminense. Sim, tanto faz o regime, a ideologia, à vista do ouro, marcha igual: “Direita, esquerda!” Marcham, sim, como pernas de um só “corpo dócil”: “Direita, esquerda – direita, esquerda!”, e assim sucessivamente vai o corpo único em direção ao mesmo objetivo (o ouro), revezando-se as pernas em passo marcial e o corpo puxado pelo nariz pelo capital selvagem...

Emir Larangeira

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