domingo, 9 de outubro de 2011

O Rio está pacificado?

Edgard Catoira

As UPPs são realidade. O que não aparece é que os traficantes acabaram com os pontos de vendas nos morros e criaram as “Esticas”, no asfalto. Por Edgard Catoira. Foto: Agência Brasil
O governador Sergio Cabral, do Rio, sempre foi um político inteligentemente oportunista. Há três anos, a partir de uma experiência positiva do coronel Gileade Albuquerque, então comandante do 2º Batatalhão da PM, no bairro de Botafogo, que garantiu a segurança da favela Dona Marta instalando um posto da PM no morro, Cabral assimilou a (boa) ideia. A imprensa, claro, aplaudiu a ação da PM, o que fez o governador resolver transformá-la em plano de governo, batizando a novidade como Pacificação do Rio, com a criação de UPPs – Unidades de Polícia Pacificadoras – para todos os morros da cidade.
O sucesso de mídia foi imediato. Cabral se tornou o herói que acabaria com a violência na Cidade Maravilhosa.
Diversos morros da Zona Sul foram pacificados. Sem tiros ou balas perdidas, UPPs foram instaladas em comunidades – palavra politicamente correta para ser usada em lugar de “favela” – Copacabana e Ipanema. Assim foi na Ladeira dos Tabajaras, Pavão Pavãozinho, Cantagalo. E culminou com a tomada do violentíssimo morro da Vila Cruzeiro, com ajuda de Marinha e Exército. O mundo inteiro comemorou as imagens da correria dos bandidos, armados, para fugir da retomada do território pelas “forças aliadas” comandadas pelo heróico pacifista e legalista governador do Rio.
Depois desse enfrentamento televisionado, como num verdadeiro “acordão”, o governador avisava a imprensa sobre a tomada de outras áreas perigosas. Marcava dia e hora. A bandidagem, não menos esperta, deixava o caminho aberto e, sempre sem balas perdidas, a cidade, para alívio da população, está sendo pacificada. Ainda haverá muito para que a cidade toda fique livre de milícias e diferentes facções de traficantes, todos violentíssimos, que ainda têm que ser removidos principalmente na Zona Oeste da Cidade.
E, assim, a cidade começa a dar a sensação de bem estar e tranqüilidade que população e turistas – esperados para os próximos grandes eventos esportivos – possam usufruir da beleza natural do Rio e da alegria natural do carioca.
Assim, com farta pirotecnia merecida pelos guerreiros conquistadores, verdadeiros Cruzados do Bem, Sergio Cabral já pode ser considerado o grande exterminador do mal em terras fluminenses.
Tem buraco mais embaixo
Sem querer ser um derrubador de boas esperanças, pisando em solo firme de informação, é sempre bom conversar com guardas municipais, PMs, autoridades amigas que trabalham com Segurança Pública e podem falar a verdade em “off”. E este site fez isso: conversou informalmente com pessoas do meio, sem holofotes, lentes ou testemunhas, no máximo com um copo de cerveja em mesa de bar.
Cabral, que inaugurou teleférico no Complexo do Alemão ao lado de Lula (em 2010), tornou-se o herói que acabaria com a violência na Cidade Maravilhosa. Foto: Ricardo Stuckert/PR
A instalação das UPPs é uma realidade. O que não aparece é que os traficantes acabaram com os pontos de vendas nos morros e criaram as “Esticas”, no asfalto, móveis ou fixas, pontos instalados em estabelecimentos que servem como fachadas. Apesar de não acabar com a comercialização, o governo estadual continua de parabéns por ter acabado com os centros armados de traficantes. No morro – e isso os policiais das UPPs é que sabem – ainda ficam os estoques onde os distribuidores se abastecem. São casas isoladas no morro, sem movimentação e sem aparato de segurança, o que acaba com combates de rivais e enfrentamento com autoridades de Segurança. Tudo na paz.
O arsenal bélico dos traficantes, seguindo o modelo das cartilhas de guerrilha urbana, está armazenado em pequenas quantidades em locais que só os integrantes dos grupos conhecem, seja morro ou asfalto. É apenas a garantia para ser ativado em caso de futura necessidade. Já as armas dos milicianos têm esconderijos oficiais, nos coldres de policiais que pertencem às milícias.
Esse fato apareceu agora, com a execução da juíza Patrícia Acioli, do município de São Gonçalo, que insistia em exterminar as milícias de sua área de atuação. O delegado de Homicídios, Felipe Ettore, durante as investigações, chegou a um PM, que acabou fazendo uma denúncia premiada – aquela que, na Justiça, vai beneficiar a sentença do colaborador – e tudo acabou com um escândalo: o mandante do crime era o comandante do Batalhão da PM de São Gonçalo, um coronel preparadíssimo para enfrentar o crime, com passagem pelo respeitado Bope, Batalhão de Operações Especiais, elite da elite da PM.
A imagem da PM desabou. O comandante da PM se demitiu. No seu lugar assumiu o coronel Erir Ribeiro Costa Filho, conhecido pelos policias como “casca grossa, linha dura”. E ele deu provas disso quando, em 2003, bateu de frente com o deputado Chiquinho da Mangueira, que pediu a ele que para “pegar mais leve” no combate ao tráfico do morro da Mangueira. Por essa recusa, ele foi afastado do comando e passou a ser considerado maldito pelo governo Garotinho.
Sua primeira providência foi mudar os comandos de Batalhões da PM, determinando que os novos titulares não levassem consigo para os quartéis de comando os guardas de áreas onde estavam atuando. Para evitar a formação de “turmas”, digamos assim, como a quadrilha de 11 PMs que foram presos no caso do assassinato da juíza de São Gonçalo.
Na busca da Paz, fim das castas ou retorno ao Império
Para um bom entendimento sobre a vida de um policial, seu modo de pensar e agir, é importante conversar longamente com um velho PM, que já está acima do bem e do mal. Só ele pode contar as frustrações e humilhações diárias de um PM. E, claro, as consequências psicológicas desses homens.
No Rio, com um salário baixíssimo, um PM é considerado pelos militares como um policial “uniformizado” e não “fardado”, por não ter formação específica de um soldado de Marinha, Exército ou Aeronáutica. Isto é, sofrem forte preconceito de militares.
A Polícia Civil, por seu lado, trabalha lado a lado com a PM. Mas é composta por profissionais com formação na área do Judiciário que podem, inclusive prender oficialmente um cidadão pego em infração. O PM multa ou encaminha para o delegado. Resumindo, também são inferiorizados pelos parceiros da Polícia Civil.
Dentro da corporação, e isso é terrível, também existem castas que podem ser resumidas em duas: os oficiais, “que comem o peito e as coxas da galinha”, e os praças, “comedores de pescoço, asas e pés do frango”. Os oficiais, como mostram as imagens que os próprios PMs fazem de si, usam os “malas”, ou praças, para fazerem os serviços menores. Inclusive os pouco ortodoxos para um policial, como recolher o resultado dos favores ilícitos concedidos. Assim, os malas não têm benefícios, mas conhecem os desvios de conduta de seus superiores. Não dá para dizer que as duas classes se amem.
É exatamente por isso que, como aconteceu em São Gonçalo, quando um comandado é pego em infração, com grande prazer de sua alma, “entrega” seu superior e ainda tem o benefício da delação premiada. Que, dessa forma, também passa a ser uma vingança premiada contra seus algozes, os oficiais que mandam os comandam.
Todos esses exemplos apareceram com a queda do comandante que mandou matar a juíza. Mas, só veio a público porque houve, na verdade, um atentado das milícias ao Judiciário, um dos Poderes de nossa democracia.
Um PM disse que só não aparecem centenas casos no dia a dia porque a maioria das vítimas fazem parte do “Três Ps (preto, puta e pobre)”, também na gíria policial.
Como seus antecessores, o novo comandante da PM conhece todas essas diferenças dentro da corporação. Quando ele proíbe que os indicados para comandar batalhões levem suas equipes, aí, sim, pode estar dando início a uma nova fase de uma Polícia Militar competente. E, claro, estimular seus integrantes com salários e equipamentos compatíveis com a dignidade dos policiais.
A este respeito, um PM conta que o uniforme completo e equipado de um guarda de Nova York custa U$ 45 mil. E brinca: “aqui, com um equipamento desses, o policial vai ter mais é que vender tudo para garantir uma vida mais confortável à sua família”.
Para se entender a polícia fluminense, é preciso entender sua origem
Feitos esses ajustes, talvez dê para se pensar em um Estado mais seguro.
Ou retornar para a época do Reinado Brasileiro, quando D. João VI, esperto monarca português, constatou que seus súditos eram “coronéis”, donos de terras em torno da cidade. Percebendo que cada “coronel” tinha sua milícia própria para defender suas terras e seus interesses, ele os chamou e propôs fundar a Guarda Real de Polícia, GRP, em 1809. Esses dados aparecem até hoje no brasão da corporação. O esperto D. João conseguiu, sem dinheiro, montar a guarda, fazendo de cada “coronel” um comandante e, todos, defendendo a Coroa.
Caso não se moralize o meio de campo da instituição, seguramente ela retornará às origens, defendendo, como ainda fazem, organizando-se em milícias que defendem interesses pouco ortodoxos de cada local, ganhando um dinheirinho a mais para compensar o soldo oficial, e portando a carteira de “autoridade” emitida pelo Governo legal do Estado.
Isso só será viável se Cabral for menos à sua adorada Paris e, quando em terras fluminenses, passar a alardear menos e fortalecer, de fato, a Segurança Pública do Rio.
Aí, sim, vamos, orgulhosamente parafrasear: “In Cabral we trust”.

FONTE: Revista Carta Capital

Mário Sérgio Duarte: "Eu tinha de pedir para sair. O fracasso é meu"

O ex-comandante geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro fala do quarto do hospital a ÉPOCA

RUTH DE AQUINO
Examinado por dois médicos, convalescendo de uma cirurgia de próstata no quarto do Hospital Central da PM, ainda em dores, mas feliz porque a biópsia acabara de dar resultado negativo, o coronel Mário Sérgio Duarte, 53 anos, conversou com Ruth de Aquino, de ÉPOCA, sobre os motivos que o levaram a deixar o comando-geral da PM na noite de quarta-feira (28), e falou também sobre os desafios enfrentados nas Unidades de Polícia Pacificadora (as UPPs) e na Segurança nos últimos meses.

“Estou triste por interromper um trabalho na primeira Secretaria de Segurança do Estado do Rio que aposta na vida e não gratifica a morte. Mas feliz por ter feito o que me cabia. Todo servidor precisa ter responsabilidade. Se os louros do sucesso podem ser divididos, os fracassos são do gestor e fui eu quem tirou o tenente-coronel Cláudio Luiz Silva de Oliveira da área administrativa e apostou nele para comandar o 7º Batalhão de São Gonçalo.”
Cláudio Luiz é acusado de ser o mentor do assassinato da juíza Patrícia Acioli, no dia 11 de agosto.
Ex-comandante do Bope, Mário Sérgio – que estava no comando geral da PM desde 8 de julho de 2009 – disse que agora vai concluir o curso superior de Filosofia e cuidar de seus seis filhos, entre eles “um casalzinho de gêmeos de oito meses”, do segundo casamento, “um presente de Deus”.
Mário Sérgio Duarte, ex comandante-geral exonerado da Polícia Militar do Rio de Janeiro (Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo)Mário Sérgio Duarte, ex comandante-geral da Polícia Militar do Rio de Janeiro (Foto: Fabiano Rocha / Arquivo/Agência O Globo)
ÉPOCA – Sua saída do comando geral da PM era absolutamente necessária?

Mário Sérgio Duarte – Sim, com certeza. Era um imperativo categórico moral. Sabe por quê? Porque a escolha do coronel Cláudio, que eu tirei de um cargo administrativo no Hospital de Niterói para colocar no comando do Batalhão de São Gonçalo, foi responsabilidade minha. Fui eu que o tirei da área interna para a área operacional em outubro do ano passado. Era a minha terceira tentativa de reduzir os índices de violência da região, que só aumentavam. O batalhão comandado por ele reduziu tanto o índice de homicídios e roubos que, por ironia do destino, foi um dos batalhões premiados pelo governo do Estado com bônus, em cerimônia há cerca de duas semanas.
ÉPOCA – O senhor acha que o gestor direto de um suspeito de assassinato deveria seguir sempre seu exemplo?

Duarte – Eu não quero ser exemplo de nada nem quero bancar o modelo máximo da moralidade. Mas, se o coronel Cláudio é acusado de um crime bárbaro, de mandar matar uma pessoa sem nenhuma possibilidade de se defender, aí a minha responsabilidade é a primeira a ser apresentada. Todos podemos dividir os louros dos acertos. Mas os erros são de quem comanda. O brasileiro está meio cansado de a responsabilidade ser sempre jogada no outro, em quem está abaixo. Quem está em cima nunca sabe de nada, não viu, desconhece tudo. Quem tem poder de decisão não pode se omitir. No meu cargo, eu escolhia os comandantes. Os fracassos são do gestor.
ÉPOCA – Sua exoneração não expõe ainda mais a falta de confiança na PM como corporação?

Duarte – Acho que é o inverso. Por mais que as polícias sejam criticadas, é justamente na polícia onde os responsáveis perdem as funções, são expulsos. Se você fizer um inventário em todos os Poderes, verá que nos outros há crimes, fatos vergonhosos, violações de protocolos, e quem está na chefia dificilmente é responsabilizado. Na PM, a gente expulsa, a gente tira do comando, pede para sair da função. Mas eu espero sinceramente só ser modelo para os meus seis filhos. Que sempre me ouviram dizer: ‘A semeadura é livre mas a colheita é obrigatória’. Não posso permitir que alguém duvide da política de segurança pública do Rio. Porque até hoje nunca tivemos no Estado do Rio uma política tão clara, de desconstrução do ódio, uma política que não valoriza a morte. Antigamente, oficiais trabalhavam num ambiente cultural que dizia ‘mate que vou te dar uma premiação, mate que você terá uma gratificação faroeste’. O derramamento de sangue era um valor. Eu vou aos batalhões, aliás, eu ia aos batalhões, para pedir: valorizem a vida porque quero que vocês voltem para casa e suas famílias.
ÉPOCA – Se o senhor não pedisse, acha que seria exonerado?

Duarte – Se eu não saísse, haveria uma dúvida sobre a lisura de nossos propósitos. Eu não poderia deixar dúvida sobre a competência da cúpula da Segurança.
ÉPOCA – O senhor era amigo pessoal do tenente-coronel Cláudio Luiz?

Duarte – Eu o conheço há 20 anos, fizemos o mesmo curso de operações especiais, e trabalhamos juntos no Bope. Não conheço os filhos dele, a esposa, não saíamos juntos. Essas são as relações internas de oficiais superiores, todo mundo se conhece. Também escolhi outros homens que tive de mudar ao longo do percurso, porque não cumpriram suas metas, ou porque deixaram dúvidas sobre suas intenções, ou porque gostavam de se exibir, fui tirando aqui e acolá.
ÉPOCA – Não foi arriscado nomear o coronel Cláudio para o Batalhão de São Gonçalo, se ele já tinha um problema com a juíza Patrícia Acioli?

Duarte – Eu não sabia disso quando eu o coloquei ali. Os dois tinham tido um problema no Maracanã há 20 anos. Ele prendeu a então defensora pública, e a teria levado à delegacia, ela entrou com um processo contra ele. Mas sou de opinião que coisas do passado devem ser resolvidas na concórdia, na conciliação. Vários oficiais premiados no passado por uma política errada das lideranças foram chamados para uma nova construção e um novo momento. Vou te dar um exemplo: hoje temos na Colômbia um processo que envolve a entrega das armas pelas forças que se viram envolvidas em confronto, por ideologia ou apenas crime. Quem se desmobiliza, se entrega, devolve suas armas, paga uma parcela de seus erros em troca da inserção social. O mesmo se pode dizer de traficantes. Se eu sou favorável à criação de uma legislação, uma iniciativa capitaneada pelo poder público, para reintegrar traficantes arrependidos à sociedade, por que não fazer o mesmo com a corporação, em vez de tratar um oficial que já cometeu abusos como um leproso institucional? Se a política do confronto pelo confronto empurrou tanta gente para seus estereótipos, é hora de atrair quem quer trabalhar para o bem comum. Claro, temos que ser prudentes como as serpentes e, se errarmos, temos de pedir para sair.
ÉPOCA – Dias depois do assassinato da juíza, o tenente-coronel Cláudio Luiz foi transferido para outro batalhão. Por quê? Não pesava nenhuma suspeita contra ele?

Duarte – No passado do coronel Cláudio, há processos nos quais ele foi absolvido. Na morte da juíza, ninguém suspeitava dele, até porque seu desempenho no comando do batalhão era considerado bom. O que eu fiz após a morte da juíza foi cumprir uma ação de rotina, mexi em 22 batalhões, é algo previsto a cada nove meses. Eu soube pela televisão da acusação a ele esta semana. Mandei imediatamente localizá-lo e conduzi-lo preso pelo batalhão de choque, mas ele mesmo se apresentou. Não temos sido nada condescendentes com desvios de conduta muito menores, quanto mais homicídio. Se eu ficasse no comando, a gente ia expulsar mais de 250 só neste ano de 2011.
ÉPOCA – O senhor acha que o tenente-coronel Cláudio Luiz é inocente, como alega?

Duarte – A posição do líder não pode ser a posição do advogado. O comandante não pode ficar assumindo posição de advogado de defesa ou promotor. Nós temos de facilitar as investigações. O meu papel não é fazer julgamento, análise ou defesa. E, se está sendo preso, é porque existem provas contra ele. Mas, mesmo que não se comprove na Justiça sua culpa no homicídio, vou estar tranquilo com a minha consciência. Perdi minha função e o único prejudicado com isso fui eu. O que eu não posso é levar prejuízo para a população ou para a Secretaria de Segurança ou para o capitão da nau, Mariano Beltrame.
ÉPOCA – Como o senhor se sente neste momento?

Duarte – Primeiro eu estou me sentindo como quem fez aquilo que lhe cabia ao pedir exoneração. Se a gente quer construir um serviço público melhor, um país melhor, a palavra que não pode nos abandonar, seja o servidor de que nível for, de que poder for, é responsabilidade. Eu me sinto feliz por ter participado de um processo que inaugurou uma nova filosofia na segurança, por ter se dado conta da gravidade da violência no Rio. Antigos governantes se dividiam em dois grupos. Ou eram os que atribuíam toda a violência a questões sociais, e aí citavam Marx e as lutas de classe para dizer que o bandido não passava de uma vítima da exploração capitalista. Esse grupo queria que tivéssemos uma segurança pública nos moldes de Londres. Ou eram os governantes que achavam que com o fuzil na mão e a disposição de luta, na base da guerra e da morte, matariam os bandidos e resolveriam a segurança. Nem lá nem cá. Conflito não se resolve assim.
ÉPOCA – A Segurança do Rio tem encarado recentemente alguns desafios sérios. Grupos de extermínio na PM, corrupção entre policiais pacificadores das UPPs, recém-formados, e a execução de uma juíza no estilo das máfias. O senhor acredita que possa ser uma ação organizada para desestabilizar o secretário Beltrame e o Estado?

Duarte – Nós sempre trabalhamos com a hipótese de que a UPP é um processo que vai ganhar consolidação com o tempo. O primeiro benefício está claro: a redução da letalidade, a libertação da população do jugo das leis cruéis do tráfico e das milícias. Quando a UPP foi idealizada, pensou-se em fases. A última fase é de monitoramento. Quantos homens, que tipo de equipamentos, análise das condutas morais dos policiais. Não dá para analisar a ação do policial em campo apenas por meio de abstrações e teorias. Esses são os desafios do mundo sensível. A gente fica achando que pode ter um policial com um comportamento apolíneo num mundo dionisíaco (uma referência ao deus Apolo, da harmonia, da luz e do sol; e ao deus Dionísio, das festas, do vinho e do prazer). Ele passa o tempo todo por tentações. É o dono do estabelecimento comercial que promete dar um franguinho no fim do dia, é o traficante que promete um ganho material.
ÉPOCA – Como evitar que policiais se corrompam, já que o tráfico continua ativo embora sem o controle do território?
 
Duarte – A grande maioria dos policiais está vacinada porque sabe que representa uma nova ordem uniformizada e barbeada, do bem, de proximidade com a população. E há a gratificação de R$ 500.
ÉPOCA – O que são R$ 500 diante das gratificações do tráfico, que paga dezenas de milhares de reais a quem cala e consente? A legalização de algumas drogas poderia, a seu ver, diminuir o poder corruptor do tráfico?

Duarte – Não sou favorável a legalização de drogas. Porque as drogas ilícitas estão represadas pelo dique da lei. As drogas que mais matam no mundo são o álcool, o tabaco, matam por acidentes, cirrose. Essas correm soltas sem o dique da legalidade. Receio que a sociedade passe a ter muito mais problemas de saúde. A compulsão da droga também incita o crime. O viciado acaba por dilapidar o patrimônio da família. A legalização poderia reduzir a corrupção nas comunidades, mas sempre aparecerá uma droga mais nociva e perigosa que será traficada. De qualquer modo, acredito que a sociedade deva discutir a legalização, para que se chegue a um consenso, especialmente no que se refere a drogas mais leves como a maconha.
ÉPOCA – O que o senhor pretende fazer agora?

Duarte – Acabar meu curso de Filosofia na UFRJ e cuidar dos meus filhos. E como eu acredito em questões metafísicas, acho que Deus me indicará depois o caminho.

Vida na Caserna

Sobre a troca de comando da PMERJ

Toda vez que acontece troca de comando-geral na PMERJ vem a reboque o troca-troca de comandos, chefias e direções. Mais parece carroça puxando burro ou burro puxando carroça, a ordem dos fatores não altera o produto... Curioso é que a defesa das mexidas é invariavelmente a mesma, ou seja, as peças mudam apenas de posição em meio a discursos ufanistas e derrotistas que se mesclam em imbróglio eterno, vencendo sempre o segundo em espaço e tempo midiáticos. Deste modo se conclui que na PMERJ a única verdade é a do poder transmudado de um para outro comandante, todos, porém, “salvadores da pátria”, como são exaltados por quem manda, até que outra desgraça atinja a corporação e novamente alcance o pico da pirâmide... Cá pra nós, a PMERJ é espécie de pirâmide construída a partir de base escrava, como sói ser o militarismo em geral desde o passado remoto até o presente. É modelo ideal para pôr “corpos dóceis” (M. Foucault) na linha de frente da morte quantitativa em vista da fácil reposição de suas carnes destinadas ao abate. Daí não se estranhar a manutenção desse modelo, que sempre existiu e existirá com a finalidade servir a imperadores, reis, príncipes, senhores feudais e eclesiásticos, e presentemente atender ao despotismo de ditadores ou à “ordem democrática” de mandatários eleitos, tanto faz, ela é sempre cumprida à risca por qualquer comandante. No fim de contas, “tropa” não existe para outro fim que não seja sucumbir entre vitórias e derrotas.

Tais considerações me obrigam a iluminar um pequeno texto de René Fülop-Miller inOs Santos Que Abalaram o Mundo: “... Que as alegres canções dos trovadores eram sufocadas pelo barulhento tilintar das armas, que as festivas passeatas com tochas eram substituídas por marchas guerreiras para os campos de batalha, e que os exuberantes jovens, no verdor da mocidade, eram chamados às armas pelo sino de guerra, para dar suas vidas pela Igreja ou pela coroa, pela honra do senhor feudal ou pelo orgulho dos burgueses.”

Ó “sino da guerra”!... Por que não desiste de ressoar conclamando os jovens à matança? Por que insiste em eliminá-los ontem, hoje e sempre?... Por que você não toca para generais e estados-maiores, pondo-os na linha de frente da morte?... Ora, como inverter a ordem histórica pondo o pico da pirâmide no lugar da base? Impossível!... A base da pirâmide esmagará o pico com seu peso. O jeito então é permanecer tudo como está enquanto o Universo de expande em sua viagem do desconhecido para o desconhecido... Cá entre nós, como ficaria o planetinha se não houvesse reposição maciça da base para a minoria do topo sobreviver espaçosamente? Sim! Sim! Há de ser eternamente assim! Daí ser absurdo cobrar da “pirâmide PMERJ” a inversão do seu pico para garantir a sobrevivência da base. Isto é loucura! É ilusão literária!...

Como demonstra o autor em sublinha, a realidade da pirâmide é imutável, pelo menos até que o sol se apague e a Terra desapareça do cenário universal, tamanha é sua insignificância. E talvez ela nem mesmo resista até o apagar do sol: sucumbirá ante o choque com algum astro errante, e a partir daí as teorias e as práticas dos “racionais” não serão nem lembrança. Ah, prezado Jorge Alves, diante desta invencível realidade, por acaso importa o troca-troca de generais ou a substituição de tropa dizimada por outra para a também o ser?... Afinal, - e efêmeros como somos, - não estaremos aqui para ver o final dessa história...

Site: Emir Larangeira