Autor: Emmanoel Almeida
Nossa Constituição não concede título algum de Polícia Judiciária às Polícias Civis, assim com a nenhuma outra Polícia Brasileira. A dicção do art. 144, § 4º da Carta Magna é clara quando prevê que às Polícias Civis incumbem as funções de polícia judiciária.
Art. 144, § 4º da CRFB:
“às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.”
Um órgão pode ser polícia judiciária: ou (1) por previsão legal ou (2) por integração orgânica ao Poder Judiciário – PJ.

No primeiro caso, é a lei que cria a Polícia com o nome específico: medida infraconstitucional aquiescida pela Carta Política. Normalmente é para a apuração e investigação de determinados crimes. Mas o órgão é organicamente ligado ao Governo. Esse é o caso da Polícia Judiciária de Cabo Verde e de Portugal que recebem a denominação advinda de suas leis orgânicas, o DL 04/93 e a Lei 37/08, respectivamente. Trata-se então de um nome específico dado por lei ao órgão do Poder Executivo que auxilia o PJ na apuração pré-processual.

Aqui no Brasil, algumas Assembléias Legislativas têm editado leis estaduais que trazem conteúdo incompatível com a ordem constitucional, como a Lei Orgânica da Polícia Civil da Bahia, Lei 11.370/2009 que:
a) considera autoridade policial, exclusivamente, os ocupantes da carreira de Delegado da Polícia Civil (art. 50, § 1º);
b) ainda prevê em suas competências a exclusividade para fazer o Termo Circunstanciado (art. 6º, IV);
Veja que restringir o conceito de “autoridade policial”, e decidir sobre competências para lavratura do Termo Circunstanciado é tarefa de ordem processual penal. Ou seja, é o Estado Federado invadindo seara de competência privativa da União, art. 22, I, CF.
À semelhança, as incongruências não param por aí. Veja que o Estado do Mato Grosso editou Lei Complementar que “criou” uma nova Polícia. A LC 155/04 dispõe sobre a organização e o Estatuto da Polícia Judiciária Civil.

O segundo caso se trata de uma Polícia que desempenha atos administrativos no Poder Judiciário, e a este está organicamente vinculada. A EC 45/2004 criou o Conselho Nacional de Justiça, órgão integrante da estrutura do Judiciário, com a incumbência de realizar o controle da atuação administrativa e financeira e o cumprimento dos deveres funcionais dos juízes. Dentre as atribuições do Conselho, que estão num rol meramente exemplificativo enumeradas no art. 103-B, § 4º da CF, está, por exemplo, a de receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do PJ, inclusive contra seus serviços (…) podendo avocar processos disciplinares (…) aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa.

O Conselho Nacional de Justiça não dispõe de funções jurisdicionais, tampouco de competência para fiscalizar a atuação jurisdicional dos juízes. Não se trata também de órgão de controle externo do PJ. Trata-se realmente da Polícia Judiciária brasileira não constituindo a instância máxima de controle da magistratura nacional, já que suas decisões poderão sempre ser impugnadas perante o Supremo Tribunal Federal. É o que acontece com as Polícias Administrativas do Poder Executivo: pelo princípio da inafastabilidade jurisdicional, a seus atos não se excluirá da apreciação do PJ lesão ou ameaça a direito, vide art. 5º, XXXV da CF.

Ao citar aqui a Polícia Judiciária do PJ, pontuo a existência da Polícia Legislativa (que também pertence ao Poder do qual leva o nome), a qual é também integrada pelo sistema de freios e contrapesos adotados pela CF. A acepção de poder de polícia é ampla e, também em consonância com o que prega Di Pietro, abrange não só a atividade de aplicação das leis, mas também a própria atividade de edição dessas leis, desempenhadas pelo Poder Legislativo.

No Brasil, a Polícia Legislativa é aquela integrante do Poder Legislativo. A Polícia Administrativa é aquela que pertence à Administração. A Polícia Militar é aquela que pertence à estrutura militarizada. E a Polícia Judiciária é aquela que integra organicamente o Poder Judiciário.

Assim, a expressão jurídica “funções de polícia judiciária” é natureza de serviço administrativo prestado por órgão do Poder Executivo, para coadjuvar as autoridades judiciárias na investigação da sua competência. Assim exercem a [função de] polícia judiciária a Polícia Federal; as Polícias Civis; e as Polícias Militares na apuração e investigação de crimes militares, conforme prevê o Código de Processo Penal Militar.

As Polícias Civis não são Polícias Judiciárias! Exercem funções de! A não ser que a gente se enverede aqui no mundo das figuras gramaticais de estilo e saia chamando a Polícia Federal de Polícia Judiciária Federal e as Polícias Militares de Polícias Judiciárias Militares.