quarta-feira, 4 de julho de 2012

Uma difícil reforma nas polícias


Limitar a liberdade de expressão da categoria policial (notadamente a militar) possui efeitos interessantes, dificilmente vividos em outros contextos. Para além de evitar reivindicações e manifestações incisivas, a falta de voz acaba por consolidar de maneira bastante simples alguns consensos, muitos deles irrefletidos e acríticos, chancelados pela ausência de diálogo e questionamento. Parece ser deste modo que na cultura organizacional das polícias torna-se difícil realizar certas reformas, mudanças e reorganizações – por mais límpidas e óbvias que pareçam certas propostas.
Não é preciso ser policial antigo para que se admita, desde o início da formação, seu punhado de verdades: “bandido bom é bandido morto”, “praças são preguiçosos”, “oficiais são perseguidores”, “não vale a pena se dedicar à polícia” e outros teoremas perfeitamente admissíveis, sem qualquer alternativa reflexiva.
A dúvida, insumo tão necessário à manutenção da vida policial durante seus procedimentos operacionais – afinal, o policial que muito confia pode ser surpreendido – é praticamente abandonada quando se trata emitir juízos sobre o seu trabalho e sua instituição. Por isso, um comandante, quando assume sua função, já possui sua trajetória definida: perseguidor, arbitrário, impositor. Um subordinado é logo determinado: preguiçoso, indolente, macetoso.
Engraçado é que, quanto mais previsíveis somos, quanto mais seguimos a manada do (des)entendimento inconsciente, mais as respostas serão semelhantes àquelas que conhecemos. Para a filosofia do bom bandido morto, por exemplo, a filosofia do bom policial morto tende a ser adotada (que digam os doutos que proponho aqui tratar criminosos com buquê de flores!). Não há algo mais adequado aos governos, e a manipuladores de ocasião, do que tropas e policiais dados ao consenso.
O filósofo francês René Descartes posicionou a dúvida como a modalidade de pensamento que garante a essência da homem, a sua existência. Considerando esta hipótese, não é demais afirmar que aquele que duvida exerce mais sua humanidade do que os que abrem mão desta faculdade. O problema é que esta humanidade não depende muito dos governos, do comando ou da aprovação de qualquer lei. Assumir a dianteira de sua consciência e deixar de se embriagar com os consensos é incomodar-se consigo mesmo: eis uma reforma difícil de se implementar nas polícias.


Autor:  - Tenente da Polícia Militar da Bahia, associado ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública e graduando em Filosofia pela UEFS-BA. | Contato: abordagempolicial@gmail.com