quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Por que a Polícia Federal algema “para frente”?


Em: OpiniãoPolícia FederalTécnica

A prática permanente da impunidade no Brasil entre as figuras ocupantes de notórias posições públicas levou nossa sociedade à sede por punições a grandes políticos, empresários, juízes e outros “privilegiados”. Em nosso país, contudo, não costumamos encontrar fontes que saciem nossas sedes, quando muito, nos aparece algum vendedor circunstancial de água, que, por algum preço, fornece uma garrafa finita contendo nossos anseios. É o que tem sido a Polícia Federal, nos episódios de prisão e investigação desses grandes figurões públicos brasileiros.
Quando realiza suas operações, a PF não poupa esforços em dar visibilidade às ações. Além dos nomes curiosos – Satiagraha, Hurricane, Caixa de Pandora e a mais recente Operação Vauche – geralmente todas as câmeras possíveis se fazem presentes no momento em que as prisões e apreensões estão sendo desencadeadas – prisões fruto de investigações sigilosas, diga-se.
E em todos esses momentos célebres, lá estão os suspeitos algemados, simbolizando a contenção das mãos que mexeram indevidamente com o dinheiro público – é esta ou não é a sensação do público? Não obstante, esta não é a justificativa para o uso das algemas, que devem servir tão somente para conter aquele que pode tentar resistir à prisão, trazendo risco principalmente aos policiais. Sempre que o risco de resistência for patente, é legítimo e até indispensável o uso da algema.
Este policial que vos escreve sabe muito bem o quanto é subjetivo este risco de resistência. Ele pode ser caracterizado pelo furor físico, como empurrões e outras agressões, ou até mesmo com um sussurro no ouvido de um policial. Ou alguém deixaria desalgemado um preso que lhe dissesse calmamente que lhe mataria na primeira oportunidade que tivesse? Em algumas ocasiões, cabe, sim, a algemação. Em outras, não: os policiais que me lêem sabem bem desta realidade.
Celso Pitta, Jáder Barbalho e Daniel Dantas presos pela PF: algemados “para frente”
Mas o que causa intriga, e dá título a este texto, é: por que nas operações da Polícia Federal brasileira as pessoas são algemadas com as mãos voltadas para a frente do corpo? Os manuais conhecidos de técnica policial instruem que as mãos do preso, quando algemadas, devem se situar nas costas, pelo óbvio motivo da possibilidade de reação, da maior mobilidade quando as mãos estão à frente do corpo – enforcamentos, socos e o manuseio de objetos é plenamente possível assim.
Ah, mas há o símbolo. Mostrar apenas o rosto do sujeito preso ou mostrar apenas as mãos algemadas não possui o poder simbólico de matar aquela sede, de nos fazer ter a sensação de que, no Brasil, “ainda se faz justiça”. Rosto e algemas devem aparecer simultaneamente, negativando a figura pública, satisfazendo nosso fetiche pelo castigo.
Ao ver as cenas das prisões realizadas pela PF, com seus presos algemados “para frente”, manifestando rostos lúgubres, é inevitável lembrar de Michel Foucault, em Vigiar e Punir, que ao descrever a exibição dos suplícios no século XVII, dizia que “ele constitui o elemento que, através de todo um jogo de rituais e de provas, confessa que o crime aconteceu, que ele mesmo o cometeu, mostra que o leva inscrito em si e sobre si, suporta a operação do castigo e manifesta seus efeitos de maneira mais ostensiva”.
A Polícia Federal vem fornecendo goles de saciedade à sede de justiça que o brasileiro possui. Sob qual preço isto está sendo fornecido, e se é um preço justo, é preciso refletir, ou podemos nos tornar vítimas de estelionato.

Sobre a vaidade no militarismo estadual




Ó glória de mandar! Ó vã cobiça! Desta vaidade a que chamamos fama!
(Luiz Vaz de Camões- 1524//1580)

O maior problema da velhice não é o velho, mas o moço que o trata como tralha destinada ao despejo num canto qualquer para que se desintegre e suma do mundo. Incrível é que o jovem não se antevê num futuro de igual velhice, nem atenta para o fato de que muitos como ele não desembarcarão nas últimas estações da vida. Sim, o moço vive uma “juventude eterna”, não percebe a decrepitude tomando o seu corpo, embora ela se ponha evidente ante a imagem irreversível de si mesmo no espelho, ou pelo alerta de uma nova safra a lhe chamar de “tio”. Primeiro lhe assola o pânico, depois ele descamba para a irrealidade dos cosméticos tentando inutilmente burlar a velhice. Já é então um “moço velho”...
Acresce a esta contradição o exercício do poder, capaz de cegar maduros e imaturos igualando-os em estupidez. E quando o poder se associa ao dinheiro, o “moço-velho” perde definitivamente o sentido da realidade e parte para a dissimulação da aparência, agora com artifícios cirúrgicos ocultando-lhe rugas e pelancas, que permanecem, entretanto, intocáveis do lado de dentro. Ao fim e ao cabo, seu artificioso exterior sucumbe ante a velhice real e irreversível, e o fim do “moço-velho” é se tornar belo defunto. Mas a cultura do poder e do dinheiro associada à beleza não se esgota neste ponto: vai além e alcança a pomposidade dos túmulos, nos quais são gravados os títulos honoríficos do defunto e outras materializações da vaidade humana transmudadas para o corpo morto.
Tudo é vaidade!... E se lhe soma o orgulho, não o das boas ações, que faz bem, mas o orgulho prepotente, geralmente identificado por símbolos de exteriorização de poder e dinheiro. É o que chamo aparência de emblema ou de grife, falsa imagem que vai ao caixão, se extingue no túmulo, e em pomposa lápide se finge eternizar num cemitério geralmente visitado por poucos. Ah, como disse Fernando Pessoa: “(...) O homem prefere ser exaltado por aquilo que não é, a ser tido em menor conta por aquilo que é. É a vaidade em ação.”
Sim, vale o rótulo e não o remédio; vale o vidro talhado em cristal e não o perfume. E a essência de ambos − suas funções curativa e olorosa – perde para a forma vaidosa da apresentação, que custa mais caro. Sim, sim, vale a árvore frondosa a ocultar a floresta pantanosa! Mais que tudo, vale o poder de retaliar, eis como o vaidoso age, e se recusa a aceitar a fedentina daquilo que defeca em sanitários dourados, tal e qual o dejeto expelido atrás da moita por uma arraia-miúda, dejeto de pobre que às vezes fede menos por ser produto do nada...
O militarismo, por meio de seus símbolos pomposos, permite a vazão máxima da vaidade, e ela se torna irresistível. Como também disse o mestre Machado de Assis em conto ironizando a vaidade humana: “O alferes eliminou o homem.” E quando o militarismo decorre de imitação do original, espécie de “pirataria chinesa”, o problema da vaidade se expande à arrogância ao extremo de um Luís XIV: L'État c'est moi! Daí os excessivos paramentos que vemos nos reis e príncipes, nos imperadores e ditadores, nos militares de verdade e nos seus imitadores, estes últimos sempre almejando ser mais realistas que o rei, e para tal escopo se enfeitam como destaques de Escola de Samba.
É essa prática de militarismo que vemos em algumas instituições militares estaduais. Elas insistem na imitação deformada do autêntico militarismo, − aquele da disciplina consciente, inerente às Forças Armadas, − sem qualquer preocupação com uma identidade original e compatível com a realidade do que são no ambiente social: polícias administrativas de segurança pública. No entanto, preferem os “moços-velhos”, gestores de ontem, de hoje e de amanhã, praticar o militarismo caprichando na vaidade e na arrogância do poder, ignorando que são efêmeros depositários de uma eternidade que não lhes pertence nem a ninguém. Sim, ignoram sua única origem − são lídimos descendentes da ralé−, até que um dia se veem sem poder, e amargam a desilusão, e sofrem ante o oásis desfeito em fade-out, e morrem em indiferença até dos parentes e dos amigos que largaram para trás. Morrem sós, como, aliás, se fazem merecedores...

Blog do Emir Larangeira

Qual o fundamento das transferências?


Em: Opinião

Entre os interesses profissionais em qualquer carreira que se escolha seguir está o de trabalhar no local que lhe é mais cômodo. Nas organizações policiais não é diferente, apesar da possibilidade permanente de não atuar onde se estão amigos, parentes, estudos etc – com o limite estadual para as polícias civis e militares, e nacional para as polícias federais.
Observando estes elementos, podemos colocar a questão das transferências e permanência em determinada unidade como fator central entre os anseios dos profissionais. Assim, desconsiderando outros elementos, o ideal é que todos sirvam na organização policial que mais lhe agrada, dando motivo aos profissionais para que trabalhem sem estas preocupações.
Porém, existem localidades, geralmente inóspitas e distantes dos grandes centros urbanos, que poucos, ou nenhum policial quer trabalhar. Inevitavelmente os gestores das polícias lançam mão de suas prerrogativas para desagradar um servidor a bem da necessidade pública, pelo menos enquanto não surge a possibilidade de substituição voluntária. Nesses casos, é sempre importante demonstrar a quem é designado ao posto por obrigação quais foram os critérios da medida, assegurando-lhe toda a dignidade necessária.
Às vezes, pode ocorrer um desencontro de vontades. Um policial de uma unidade A deseja ir para a unidade B, e um policial desta última quer ser transferido para a unidade A. Por desencontro de informações, ambos trabalham insatisfeitos, gerando conseqüências notáveis ao serviço. A administração deve sempre estar atenta a essas incongruências, muitas vezes fáceis de resolver com uma simples consulta/diagnóstico.
Em alguns países, as polícias fazem campanhas para recrutamento de policiais de determinada região, possibilitando até que amigos ou conhecidos indiquem possíveis candidatos que pareçam ter aptidão para a função, que são convocados para entrevistas e convencidos a se submeter voluntariamente aos processos seletivos.
Neste contexto, o indeferimento de permutas de local de trabalho entre servidores é algo difícil de justificar. Até mesmo se o perfil técnico do profissional for mais adequado para dada função, não deve se acreditar que o rendimento será o mesmo se existir insatisfação na permanência em tal unidade.
Transferir um policial na tentativa de puni-lo também é contraproducente, além de ser um ato ilegal, ilegítimo e com ares de covardia, pois existem procedimentos normatizados para apurar e penalizar um policial que tenha se desviado das condutas previstas.
É preciso ainda lembrar que, sendo (ou devendo ser) a atividade policial eminentemente comunitária, atuar no seio de sua comunidade, sempre levando em conta as variáveis de segurança, pode ser uma medida de incentivo à aproximação e confiança entre a sociedade e a polícia. Além do profissional, quando está próximo dos seus, ter todo o sustentáculo familiar e afetivo necessário a qualquer ser humano, que ciclicamente passa por problemas.