domingo, 27 de janeiro de 2013


"Minha crítica é a submissão da imagem da Corporação em benefício da própria imagem."


"Quero deixar patenteada minha repulsa em ver Policiais Militares fardados submetidos a situações ridículas no programa Esquenta, da TV Globo."

Não sei exatamente quando adotei como espécie de diretriz de vida a máxima do general Patton “não se aconselhem com receios”.

Desde que conheci o aforismo, em 1977, quando cursava o Núcleo de Preparação de Oficiais da Reserva, na Infantaria, passei a invocá-lo nos meus momentos mais difíceis, de decisão grave, e mantive essa ideia-força norteando minha existência, mesmo quando o inconsciente dominava sem que eu me apercebesse.

É fato que isso nunca me tornou um legionário intrépido, um gladiador destemido ou um viking aterrador do “outro”, mas me fez superar os medos comuns à minha humanitude, propiciando-me o domínio das emoções e dos nervos.

Foi essa consciência do “possível”,mesmo diante do terrível, que me alavancou, quando tudo que eu tinha eram amarras e âncoras convidando-me à segurança do imobilismo.

Os dois anos e dois meses que fiquei à frente do Comando da Polícia Militar foi um tempo de lembrar-me, quase diariamente, de Patton e sua máxima.

Suas tropas foram vitoriosas na 2ª Guerra não se aconselhando com receios, e eu poderia me deparar ao longo do comando com um desafio semelhante ao que o general atravessara em dado momento, por isso me mantinha atento.

Pensava em alguma grande batalha, em derrotar tanques inimigos?

Não, claro que não, embora nem estivéssemos tão longe de uma estética de guerra, com os fuzis fazendo parte em ambos os lados – crime e lei – na cena diária carioca.

O maior desafio de Patton enfrentara havia sido, todavia, um imbróglio político, quando esbravejara e expulsara soldados “com estafa emocional” em um hospital de campanha, sendo exonerado do seu posto de combate por pressão do senado americano e da mídia.

Depois de uma carreira consolidada, construída sobre valores morais e éticos da universalidade militar, Patton descobria que não bastava ser o melhor soldado, mas deveria submeter-se a alguns vexames, vez por outra, impostos por seus próprios compatriotas, (políticos, jornalistas, intelectuais etc.), se quisesse continuar a arriscar-se para combater os Alemães e os outros inimigos do Eixo.

Foi isso que temi muito mais do que os desafios da guerra de aço e fogo que algumas vezes venci, entre muitas toneladas de medo e alguns relâmpagos de coragem.

Ficava lembrando-me que não permiti em 2006 (não obstante toda pressão contrária) que o Afroreggae fosse bater tambor no terraço do BOPE, que comandava, confirmando a decisão do meu antecessor, coronel Príncipe, em não facultar a instrumentalização da Unidade de forma vexatória.

Óbvio que eu não estava fechando as portas ao diálogo, à conciliação e à concórdia entre representantes de culturas diferentes, como o BOPE e o AfroReggae. O que eu, Tenente Coronel impetuoso não aceitava, não aceitaria, e entregaria o Comando se tentassem me obrigar, seria a ironia, o deboche, o escárnio do diferente que tantas vezes nos atacou, nos desqualificou e rotulou por assassinos de inocentes. Eu não os aceitaria rebolando com bumbos e latas em nosso terraço, pisando moralmente em nossas cabeças.

Lembro-me que até sugeri em resposta à professora Silvia Ramos, entusiasta do encontro e pessoa que respeito, algumas outras estratégias para que o BOPE e o AfroReggae se conhecessem além dos etnocentrismos produtores de preconceitos; mas coisa bem protocolar, tipo seminário; todo mundo de calça comprida e camisa de manga, o que não foi aceito.

Eu não gostava do AfroReggae (não gosto até hoje!). Mas não tinha o direito de por minhas idiossincrasias à frente de um processo “civilizatório”, como nossos “diferentes” acreditavam estar promovendo, e estava disposto a ceder alguma coisa desde que as nossas crenças, valores e cultura legítima não fossem violadas.

Eu não demorei a ver o AfroReggae se contorcendo no pátio do QG da PM naquele ano de 2006, diante de uma tropa estupefata.

Fazia parte da estratégia política do governo à época, e visava "humanizar" a imagem de um determinado candidato ao legislativo.

Vivi o receio ao longo do meu Comando Geral da PM de ter que submeter minha tropa ao constrangimento dos interesses políticos disfarçados em simulacros de “humanização”, “pedagogia da diferença” e outras dessas ideias-força apresentadas sutilmente com luzes concentradas para fazer cegar. Agradecendo a Deus mesmo pelos momentos difíceis que me fez passar, saí do Comando sem ter experimentado aquele que se fizera o maior dos meus pesadelos.

Eu hoje assisti a PM submetida a uma situação desnecessariamente constrangedora, e, em nada, absolutamente nada esclarecedora do processo que vivencia de entranhamento social nas favelas, áreas onde atuou apenas repressivamente por décadas, mas onde agora proporciona benefícios e agrega saberes através da pacificação.

E para não ser acusado de não estar sendo claro, quero deixar patenteada minha repulsa em ver Policiais Militares fardados submetidos a situações ridículas no programa Esquenta, da TV Globo.

Por favor, respeito à farda!

Ela é universal em seu conceito e exige protocolos formais para seu uso!

Vesti-la exige formalidades e decoro próprios! Estar fardado requer compostura adequada à liturgia da carreira militar! Não importa se coronel ou soldado, todos, absolutamente todos devem reconhecer-lhe a sacralidade!

Se aqueles companheiros de profissão estivessem ali voluntariamente e em trajes civis, embora anunciados PMs, entenderíamos a decisão pessoal de adesão à cultura funk.

O problema não está no gosto individual e não pretendo aqui uma crítica às pulsões e subjetividades do outro, isso que lhes orienta as escolhas. Minha crítica é a submissão da imagem da Corporação em benefício da própria imagem.

Desculpem-me, mas... Pombas! Essa nossa “segunda pele” não pode ser trajada em momentos em que se balança a bunda publicamente para exibição do erótico-vulgar que caracteriza o funk!!

Isso é esculhambação!

Decência!

Funk é uma expressão cultural da favela e deve ser respeitado no gosto de cada um?

Que seja! Quem está dizendo o contrário?!

Eu acho uma droga, mas e isso é subjetivo.

Todavia, o gestual agressivo nascido e consolidado nos "bailes de embate" da década de oitenta é fato real ainda hoje; a sexualidade promíscua está na semiótica de suas danças e o culto do ilegal e do marginal à sociedade são as marcas mais expressivas de sua identidade!

Compreendem o que eu quero dizer?? Dá para enfiar a PM fardada nisso!!!

Reitero que não gosto do AfroReggae e nem do funk, e deixo claro até para permitir que me acusem do que quiserem. Eu passei mais de dois anos temendo o pesadelo da banalização das propostas sociológicas e antropológicas excêntricas de socialização com o diferente, com o outro em oposição à PM onde entrássemos de súcubos, e sempre tive a impressão que nossos antagonistas faziam um cerco para atacar a qualquer momento.

Alguém manobrou, alguém cochilou e alguém se beneficiou. Só a PM se emprenhou.

São manobras sutis, assim tão sutis, que acabam por fortalecer o imaginário popular da estatura da criatura-criadora, vista pela sombra.

Por isso, pelo menos para que não soframos tanto quando vierem os vexames, como aqueles a que "sobreviveu" Patton, convêm não esquecermos o Profeta Nazareno que nos recomenda: “Sede mansos como os cordeiros, porém prudentes como as serpentes”.

O viajante aproveitador do caminho construído pelos outros, deve, no mínimo, respeitar a distância que a natureza impõe para a sobrevivência de todos.

Nada melhor do que mostrar os dentes quando nos confundirem com minhocas dançarinas

Por Coronel Mario Sergio
 
 — com João Carlos Frigério.

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