sexta-feira, 1 de abril de 2011

É errado se proteger?

A maioria das pessoas não tem o luxo de um segurança particular, de um carro blindado ou duma arma de fogo. Para algumas dessas pessoas, o que as protege contra a violência é simplesmente a sorte. Para outras, é Deus. E para algumas (a minoria, infelizmente), é a prevenção ou a ação rápida. Entretanto, todas possuem algo em comum: desejam que a polícia faça bem seu trabalho e mantenha a cidade a salvo de criminosos ávidos por trazer a dor e o prejuízo aos cidadãos. E para alcançar esse objetivo, a polícia dispõe de uma das mais antigas e valiosas ferramentas: a busca pessoal.
Normalmente, quando ocorre um crime e as informações ainda são incompletas, a polícia vasculha lugares e pessoas. O objetivo é localizar as ameaças (os criminosos), os lugares onde eles podem estar escondidos e os objetos que podem ser utilizados para ferir ou matar pessoas. Então, o policial pode verificar vários ambientes antes de encontrar o lugar exato. Ele ainda pode parar, entrevistar e realizar uma busca em dezenas de pessoas antes de pegar a certa. Mas se isso não for feito, então os delinquentes jamais serão alcançados.

Contudo, o grande problema da busca, principalmente da busca pessoal, está no fato de que algumas pessoas acham que fazem parte de um grupo seleto e, portanto, isento de ser submetido ao procedimento. Seja pela cor da pele, pela religião, pela riqueza ou profissão que possuem, as alegações para não serem vistoriadas são inúmeras. A indignação e o constrangimento entre essas pessoas são sentimentos corriqueiros. Agora, pergunte a alguém que já foi assaltado ou agredido se ele se incomoda com as entrevistas e as buscas pessoais naqueles que se encaixam na descrição do suspeito. Pergunte à família de alguém que foi assassinado se ela se importa. Pergunte a uma pessoa que foi violentada se ela se aborrece com isso.

Eu entendo que pessoas inocentes se sintam constrangidas com essas buscas pessoais, uma vez que o procedimento é invasivo. Eu mesmo já fui revistado antes de ser policial. Meu carro já foi vistoriado e até a viatura descaracterizada que eu dirigia já foi parada. Sei também que o procedimento é desconfortável eventualmente. Porém, negligenciar a possibilidade de alguém estar armado é sempre perigoso tanto para o policial quanto para o cidadão. Mas se você é inocente, não há nada com que se preocupar.

Mas um caso interessante ocorreu com um policial no Estado do Paraná. Ele narrou a seguinte situação:

“Um indivíduo, aparentemente sob efeito de entorpecente, varou a via preferencial e colidiu o veículo dele no meu. Eu estava acompanhado de minha família, eis que o indivíduo desceu do veículo e veio em minha direção dando a impressão de estar armado, colocando a mão sob as vestes. Achei necessário sacar minha arma e me identificar como policial para realizar a abordagem e a busca pessoal para garantir minha integridade física e de minha família, já abalada com o acidente. Ocorreu que o indivíduo se sentiu ofendido, pois para realizar a busca pessoal ordenei que o mesmo ficasse de joelhos, cruzasse as pernas e entrelaçasse os dedos atrás da nuca. Dessa forma fiz a busca pessoal, mas agora estou respondendo a um processo administrativo.”

Bem! Não conheço técnica que ensine o policial a fazer abordagens e buscas pessoais quando está sozinho. Mas uma coisa eu posso afirmar: o policial paranaense agiu certo e de acordo com aquilo que aprendeu no tocante à busca pessoal. Alguns instrutores podem até dizer que o policial errou ao contrariar a orientação de que jamais se deve atuar sozinho. Isso se aplica perfeitamente ao trabalho policial coletivo, mas é sem valor quando se está na iminência de uma agressão. Então, tanto faz se ele está sozinho ou com um colega ou com um batalhão. Alguém que percebe que vai ser atacado deve fazer alguma coisa para se defender.

Antes de avaliar o procedimento adotado pelo policial paranaense, é importante falar sobre a PERCEPÇÃO DE AMEAÇA1. A percepção de ameaça é aquilo que norteia a conduta do policial. Quer dizer, muito daquilo que o policial faz está baseado nas ações do suspeito. Se ele é obediente, então o policial se aproximará calmamente, fará uma entrevista e, se achar necessário, fará a busca pessoal. Entretanto, se o suspeito resiste ou dá dicas de que vai reagir, então o policial aumentará o nível de força para alcançar seu objetivo. E adivinhe que objetivo é esse? Estar a salvo! Mas não se engane com suspeitos de comportamento submisso, pois eles estão avaliando a atitude do policial para concluir se atacam ou obedecem. Assim, um policial de atitude frouxa ou relaxada pode provocar a reação do suspeito. E como não é possível determinar se a pessoa abordada é um cidadão ou um criminoso, o policial deve sempre ser cauteloso e firme. E é aqui que a atitude do policial esbarra nos sentimentos daquelas pessoas que se acham acima de qualquer suspeita.

A equação no caso narrado pode ter sido a seguinte: noite + desrespeito à sinalização + acidente de trânsito + motorista com raiva + motorista se aproximando com olhar fixo + motorista colocando a mão sob a camisa + possível arma escondida = iminência de um ataque. Foi isso que deu início à reação do policial, e o fato do motorista estar blefando ao simular a posse de uma arma não faz a menor diferença. Naquele instante, o policial precisava garantir sua segurança e de sua família. Ele sabia que a situação estava contra ele, pois o motorista já estava fora do veículo caminhando diretamente em sua direção e a um ou dois segundos de sacar uma arma sob a camisa.

A capacidade de um homem armado persuadir seus opositores é tão grande que mesmo que ele não mostre a arma ou apenas simule a intenção de sacá-la já é suficiente para provocar medo. Talvez, esse homem ainda seja capaz de provocar uma fuga em massa. Apenas para ilustrar esta real possibilidade, relato outro fato ocorrido há cerca de 20 anos no Mirante, um conhecido ponto de encontro em Belo Horizonte/MG. Neste local, as pessoas aproveitavam o fim da madrugada para namorar, conversar com amigos, etc. Certo dia, eu estava numa rua que dava acesso ao ponto mais alto do Mirante quando vi um homem sendo perseguido por quatro vendedores ambulantes que trabalhavam nas redondezas. Em dado momento da perseguição, a vítima fez meia-volta, levantou a parte detrás da camisa com uma mão e alcançou um objeto escondido com a outra. Quando vi a cena, logo pensei: “Ele está armado!” Os perseguidores também entenderam o gesto e chegaram à mesma conclusão. E o que eles fizeram? Fugiram num piscar de olhos! Mas para minha surpresa, a vítima não estava armada, mas apenas blefando para se safar do espancamento certo.

Assim, muito da atitude do policial do Paraná se relacionou com a comunicação não-verbal, ou seja, os gestos e posturas que possuíam um significado óbvio no momento. Ele entendeu a mensagem do motorista e tomou a única decisão adequada ante a iminência do ataque. Ele também se identificou, o que é de grande importância, já que o motorista poderia ser um policial. Agora, imagine se ele hesitasse ou aguardasse para ter certeza se o motorista estava armado ou não. Se houvesse uma arma, então ele não teria tempo para se salvar.

Mas ordenar que o suspeito se ajoelhe não parece um exagero, já que é possível realizar uma busca pessoal com ele de pé? Sim e não! Se o policial estivesse realizando a abordagem com auxílio de outro policial, então haveria segurança para permitir uma busca com a pessoa de pé. Mas o policial estava sozinho e o motorista se comportou como se estivesse armado. A solução foi colocá-lo de joelhos e com as pernas cruzadas para restringir sua mobilidade, uma vez que é mais fácil se aproximar e controlar a situação quando o suspeito está imóvel.

Outra vantagem em interagir com alguém que está relativamente imobilizado tem relação com o processo de ação e reação. Quando um suspeito faz um movimento, o policial assiste esse movimento, depois processa a informação e só então reage. Assim, o policial está sempre atrasado em relação à ação do suspeito. Por isso a ação é mais rápida que a reação. Portanto, manter alguém ajoelhado e com as pernas cruzadas força esse indivíduo a realizar mais movimentos antes de iniciar uma fuga ou um ataque (primeiro ele precisa descruzar as pernas, depois tomar impulso e aí ficar de pé). O excesso de movimentos do suspeito dá ao policial tempo adicional (segundos ou décimos de segundo) para perceber o que está ocorrendo e se preparar para agir.

Curiosamente, é mais difícil girar o tronco quando se está de joelhos e com as pernas cruzadas ou contra uma parede e com as pernas abertas em comparação à posição de pé. Uma pessoa de pé pode girar o tronco e observar tudo que ocorre a sua volta, já que as pernas colaboram na torção do corpo sem que se perca o equilíbrio. Mas quando se está ajoelhado e com as pernas cruzadas, a capacidade de torção do corpo se limita ao giro do tronco, restringindo o campo visual do suspeito. Isso representa uma vantagem tática para o policial, já que o suspeito não consegue observar tudo que se passa ao seu redor. É mais difícil agir contra o desconhecido!

Uma frase é unânime nas academias de polícia do mundo inteiro. E ela diz que “as mãos matam!” Por isso não há nada de estranho em determinar que alguém com um comportamento hostil mantenha as mãos sobre a cabeça. O objetivo disso é apenas dificultar o acesso à arma escondida, mesmo que ela não exista.

Finalmente, todos sabem que as ruas são perigosas e que bons homens morrem todos os dias. Mas quando os bandidos estão à solta, é sempre a polícia a única responsável por trazer a segurança que todos desejam. Parar, entrevistar e revistar alguém ajuda a fazer exatamente isso!

1 “O objetivo de todo treinamento sobre o uso da força deve ser a percepção de ameaça, fazendo o policial reconhecer as dicas de ameaça e responder na hora certa. Esse tipo de treinamento deveria se concentrar nos indicadores ou sinais que mostram uma intenção hostil e a capacidade do criminoso de colocá-la em prática. O treinamento de uso da força deve ser aplicado na percepção de ameaça para que os policiais possam reagir a uma agressão iminente e não a um ataque atual. Para isso, é fundamental o policial se concentrar nas dicas de ameaça que indicam a capacidade do suspeito em ferir e/ou matar, e então responder de modo adequado, sem sugestões para esperar a agressão ocorrer. A falta dessa avaliação pode colocar o policial em desvantagem, inibindo sua ação e deixando pouco tempo para uma resposta eficaz. A avaliação da ameaça permite que o policial inicie a ação e assuma o controle da situação antes do criminoso. Uma política de uso progressivo da força não deve determinar que o policial espere até que a agressão ocorra, pois a ação é sempre mais rápida que a reação. Um policial não pode determinar o que há na mente de um criminoso a não ser pelo que ele disser e a linguagem corporal indicar. O policial precisa agir a partir de dicas de ameaça percebida antes que o suspeito o faça, colocando assim, o policial em vantagem.” (Humberto Wendling, A interferência do medo e do estresse nas habilidades policiais treinadas para o enfrentamento de situações com confronto armado, 2007).

Foto: Bettmann, 1978.

Humberto Wendling é Agente de Polícia Federal e Professor de Armamento e Tiro lotado na Delegacia de Polícia Federal em Uberlândia/MG.

E-mail: humberto.wendling@ig.com.br

Blog: www.comunidadepolicial.blogspot.com

A AÇÃO POLICIAL E O GRAU DE COMPLEXIDADE NO CONTROLE DOS DISTÚRBIOS CIVIS

* Cláudio Cassimiro Dias, Cabo PM (Criminólogo)

A Polícia Militar tem como missão institucional manter a ordem pública e preservar a paz social e para tal deve pautar-se no cumprimento da Lei e na observância de Princípios Éticos, Morais e Profissionais.

No decorrer da história das polícias ocorreram registros de ações bens sucedidas, e outras, às vezes devido às circunstâncias do fato, nem tão bem sucedidas. Mas, na realidade, a Polícia Militar tem um papel que vem carregado de alto grau de complexidade na execução das ações policiais.

Para tal, basta verificar, que a Polícia Militar é o braço armado do estado, ou seja, a carga de responsabilidade, depositada nos policiais é maior que todas os outros braços do Estado. Quando outros órgãos não dão conta de suas tarefas, ou se vêem diante de um distúrbio social, aí entra a Força Policial.

Na realidade, quando as políticas públicas não são eficazes germina uma semente de descontrole social, educacional, cultural, na área da saúde, e em todos os seguimentos nos quais o Estado deveria, em tese, agir com supremo controle e tranqüilidade. 

Sabemos que na prática a coisa é muito diferente, pois, nem sempre o estado responde aos anseios sociais. Em contrapartida, a criminalidade aumenta, o índice de analfabetismo e o desemprego majora gradativamente criando uma sensação de insegurança e incerteza na população.

Quando a coisa perde o controle chama-se a polícia. E a polícia passa a ser responsável, pelas falhas oriundas de outros setores do estado, e ainda tem a difícil missão de usar as armas de coerção policial, sem que faça uso das armas e dos equipamentos.

O que eu quero dizer com isso, é sobre as dificuldades que os policiais encontram no exercício de suas funções, sem contar que cada ocorrência é um caso diferente. As ocorrências policiais nunca são iguais. Um dia acontece de um jeito, no outro dia é totalmente diferente. E cabe ao policial mensurar sua ação, os meios utilizados, e a proporcionalidade da força empregada.

Na teoria é muito simples e harmônico. Na prática, a dificuldade e a complexidade se distinguem a cada necessidade de intervenção da polícia. Os policiais estão a prova todo momento.

Se a ação policial cotidiana é complexa, imaginem o controle de distúrbios civis, onde uma grande multidão inflamada, por variados motivos, parte para cima do patrimônio publico, se agridem mutuamente, com instinto feroz e descontrolado, derrubando barreiras, destruindo tudo que encontram pela frente, e nesse momento a policia é chamada a intervir, e fazer cessar aquele injusto e insano ataque.

A Polícia acaba se tornando uma vítima em potencial, dos descontrolados baderneiros. Onde policiais saem feridos, as vezes mortos e muitas vezes mutilados por pedradas, pauladas e arremessos de objetos encontrados pelo caminho.

Percebem agora a complexidade que citei no início do texto?

Para visualizar a cena, imaginem pessoas de bem no meio da multidão que avança, como crianças, pessoas idosas, mulheres, que também se tornam vítimas em potencial, daqueles que pelo ímpeto da destruição iniciam um grande distúrbio. E o papel da polícia é proteger aquelas pessoas de bem, e impedir que os agressores avancem em seu intento destruidor.

Não são raras as vezes, que vemos pessoas agredindo os policiais, que fazem um cordão de isolamento, por exemplo.  Ou que arrancam postes, proteção dos arbustos, para fazerem armas contra os policiais, que tem naquele momento apenas fazer um cordão de isolamento, para que os jogadores ou torcidas organizadas não sejam atacadas pelos desafetos.

Sem levar em consideração que muitas das vezes, os ataques surgem do nada, motivados por uma insatisfação com o time que perdeu, ou oportunistas que se infiltram nos movimentos grevistas para disseminar a discórdia, ou mesmo uso excesso de bebidas alcoólicas, e ainda, por mero prazer de atacar e lesionar os torcedores da outra torcida.

Nesse momento a polícia tem de intervir, e ai inicia-se um verdadeiro suplicio para os policiais, que de posse dos meios moderados devem conter a turba, sem que cause lesões nos contendores, ou mesmo cometa excessos na atuação policial.

Falar é fácil. Quero ver é na hora que a coisa foge do controle, e a policia se vê acuada e atacada, pelos baderneiros. Como determinar a medida certa da ação policial, do uso do bastão, do cassetete, das armas não letais, e as vezes da necessidade do emprego de armas letais, para coibir a injusta agressão e a legítima defesa de terceiros e legítima defesa própria.

            Os policiais que atuam nos batalhões de choque, batalhões de eventos e até mesmo os policiais de unidades baseadas no principio da Universalidade que são chamados para coibir um distúrbio civil, merecem uma atenção especial por parte da Justiça, do Ministério Público, do Comando e dos órgãos de controle externo, como direitos humanos, etc.

            Isso, devido a complexidade da ação policial nesses casos, onde a massa já está inflamada, disposta a atacar, atacar e atacar, enquanto o policial, pai de família está ali trabalhando e cumprindo sua missão institucional, recebe como tarefa controlar, o que está totalmente descontrolado.

            Quando os policiais se ferem em ação, é muito comum dizer que tombaram ou se feriram no exercício de suas funções, e que não fez mais que sua obrigação. Mas, quando um baderneiro fica com um pequeno hematoma ou escoriação, a partir do uso de força necessária para impedir a injusta agressão necessária para conter o agressor, ah! Esse policial se torna execrado, e passa no conceito popular de agente da autoridade, a marginal, num piscar de olhos. Mas, as pessoas se esquecem que não foi o policial que causa ao tumulto, que está ali trabalhando, e com a principal missão de dar segurança e tranqüilidade, e que pessoas inescrupulosas e sem compromisso com o bom convívio social é que iniciam esses tão infelizes atritos e distúrbios coletivos.

            Para concluir, esse tema, que jamais seria esgotado nesse artigo, é importante salientar que nossos policiais militares são cidadãos de bem, e que vestem a farda para proteger a população, e quando algum cidadão foge a regra ética e moral, a policia militar não permite que o mesmo permaneça em seus quadros.

            Com relação ao controle de distúrbios civis, restou claro que os policiais que atuam nesses infelizes acontecimentos, não merecem punição, mas exaltação, pela coragem e comprometimento para com o resultado. Os excessos são puníveis em qualquer ação policial, mas definir o que é excesso quando a coisa já fugiu ao controle da normalidade, é muitas das vezes querer encontrar um culpado por um ou outro arranhão sofrido por um dos baderneiros que porventura apareça, quem sabe em busca de uma indenização do estado?

            As operações de polícia de choque e as de policiais especializados em grandes eventos são complexas pela essência, pela natureza e pelo próprio fato em si. E isto está bem claro.

* CLAUDIO CASSIMIRO DIAS, Cabo PM, Poeta e escritor, Especialista (Latu Sensu) em Criminologia, Bacharel em Direito, Bacharel em Historia, Acadêmico Efetivo Curricular da Academia de Letras João Guimarães Rosa da Policia Militar de Minas Gerais, Cadeira 28, Ex-Diretor Jurídico do CSCS/PMBMMG, Membro da Equipe Jurídica da ASCOBOM, Conselheiro do CEPREV/MG, Pesquisador da Historia Militar e palestrante.