segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Polícia Civil, um sonho perdido

Existem inúmeras razões que podem motivar uma pessoa a querer se tornar um policial. Eu, particularmente, decidi me tornar um policial por 2 motivos: primeiro, por desejar exercer uma profissão que fosse ao mesmo tempo nobre e importante e, segundo, queria um trabalho que proporcionasse ação e não fosse rotineiro, pois pode parecer insano, mas gosto do perigo e de correr riscos. Quando me inscrevi e fui aprovado no concurso de 2003 para o cargo de Detetive da Polícia Civil, achei que estava entrando para uma profissão assim, para um órgão policial de verdade. Achei que seria Detetive, um investigador.

No item 1.1 (Descrição sumária das atividades) do edital do concurso, dizia:

"Detetive é o servidor policial que tem a seu cargo a investigação e coleta de elementos para elaboração de inquéritos e processos sumários, policiamento preventivo especializado, cumprimento de mandados, escolta de presos e investigação sobre paradeiros de pessoas desaparecidas (Art. 70 da Lei nº 5.406, de 16 de dezembro de 1969 - Lei Orgânica da Polícia Civil de Minas Gerais)."

Fui enganado! Até acabou-se com o cargo de Detetive, mudando a denominação para Agente de Polícia. Preferia muito mais o termo Detetive, que delimitava melhor a especialidade da função e nos correlacionava com os Police Detectives das outras forças policiais do mundo. Agente é um termo muito genérico e que costuma ser referenciado aos agentes federais.

Pode-se dizer, pelo menos sob meu ponto de vista, que a Polícia Civil já não é mais um órgão policial de verdade. As delegacias foram transformadas em cartórios. "Você vai numa delegacia e o que menos vai encontrar são policiais correndo atrás de criminosos. Eles ficam lá batendo carimbo e preocupados com prazos e procedimentos legais. Há um formalismo que não tem nada a ver com o problema criminal." (comentário realizado pelo sociólogo Claudio Beato, diretor do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança da UFMG em entrevista com o jornal Folha de São Paulo em 10/11/2008.)

Os governantes ainda só estão preocupados com números e não com a qualidade do serviço. Realiza-se muito mais em termos de quantidade, voltando-se para as atividades internas de intimar, ouvir e remeter o mais breve possível o procedimento à justiça, do que se empenhar na qualidade dos serviços externos de investigações, investigação de campo.

Nos distritos, as delegacias operacionais, normalmente têm cerca de 800 a 1000 inquéritos em trâmite, sem contar as centenas de REDS (Registros de Eventos de Defesa Social) e de TCOs (Termos Circunstanciados de Ocorrência). Os poucos policiais civis ocupam a maior parte do tempo atendendo ao público para registrar suas ocorrências, na grande maioria das vezes tratando-se de simples perda de documentos ou de objetos que não é motivo para gerar uma investigação, redigindo e protocolando documentos e deslocando-se para realizar intimações ou encaminhar inquéritos e outros expedientes à outras unidades. Os trabalhos ficam por conta dos escrivães ou dos agentes desviados de sua função que irão apenas ouvir os relatos e depoimentos, reunir as informações e encaminhar ao poder judiciário. Pois é, acabaram-se as cadeias nas delegacias e os policiais civis deixaram de tomar conta de presos para tornarem-se "office boys" da justiça. Não há investigação. Investigação mesmo, havendo levantamento, coleta de evidências, campanas nos locais de ocorrências de crime, cruzamento de informações, filmagem ou fotografia, escuta, etc.: nada.

Nas delegacias especializadas é ainda pior, pois, só no caso da homicídios, são geralmente 80 inquéritos, ou seja, 80 homicídios, para cada agente, por mês. E todos com prazo. É praticamente impossível de se investigar corretamente. Muitos acabarão não sendo investigados se acumulando.

Atualmente, quase que a totalidade das prisões realizadas, principalmente durante os plantões, são feitas pela Polícia Militar através de ocorrências ou até mesmo por meio de investigações realizadas pela inteligência desta (P2). Difícil ver uma prisão feita por uma investigação iniciada e concluída pela própria Polícia Civil.

Algumas vezes há sim uma certa investigação que gera uma operação policial e que acaba resultando na prisão de criminosos. Mas pode apostar que houve um interesse particular ou pressão política ou social para isso. Outras vezes há uma pequena operação, para fazer propaganda sabe, mostrar a comunidade que a polícia "está trabalhando" e que geralmente não resulta em prisão nenhuma, afinal não houve levantamento, não houve investigação. Foi só pra inglês ver.

Por outro lado, em várias unidades de apoio tático da PC e em determinadas unidades administrativas, os policiais civis sofrem com o tédio. Ficam ociosos grande parte do tempo e são impedidos ou não têm competência para investigar nem um mísero furto que esteja acontecendo frequentemente próximo às suas unidades.

Acabou aquele tira bom de serviço que só vivia nas ruas ou dentro da viatura. Que estava atento a tudo que ocorresse nas ruas. Que tendo vários informantes, sabia quase tudo. Aquele que virava as noites e ficava altas horas da madrugada de campana para saber o que um suspeito estava aprontando ou iria aprontar. Que estava pronto a qualquer hora do dia ou da noite pro que der e vier, para uma operação ou para fazer uma prisão. Aquele polícial 24 horas que não tinha medo de "bronca", que não tinha medo de nada. Que, orgulhoso do distintivo, gritava: "POLÍCIA! PERDEU, PERDEU. MÃOS NA CABEÇA E ENCOSTA NA PAREDE. A CASA CAIU, TÁ PRESO!"

Hoje o tira bom é aquele servidor, preferencialmente submisso, que entende de informática ou o polícial de escritório, nos moldes do funcionário público: cumpridor de horário, que chega à repartição exatamente às 08:30h; senta-se em frente à mesa ou ao computador; permanece ali o dia inteiro, pausando de vez em quando para tomar um café ou bater um papo; pára ao meio-dia em ponto para o almoço; retorna pontualmente as 14h; senta-se denovo na mesa ou no computador, pausando novamente para os coffee breaks; até dar 18:30h para ir embora o mais rápido possível do entedioso trabalho. Trabalho depois do expediente, nem pensar! Este, passou a ser o servidor ideal para a polícia. E se um destes, sei lá, que possui um espírito policial, se deparar com uma situação e resolver fazer uma prisão. Ao levar o suspeito para a delegacia, mesmo não tendo agido com abuso algum, mesmo tendo executado o procedimento de forma legal, ainda pode não contar com apoio e ouvir um monte de broncas de seu chefe por "estar dando trabalho".

Não estou dizendo que queria o retorno daquela polícia antiga e obsoleta que só apurava tudo através da tortura, no pau de arara. Isso não é investigação. Alguns ainda dizem que assim se apurava muitos crimes e que só desse jeito é possível apurá-los. Mas qualquer um que esteja sob tortura vai inventar qualquer coisa, dizer até o que não fez, simplesmente para se livrar do sofrimento. É verdade, que em certas situações extremas, repito, EXTREMAS, a lei é incompetente e ineficaz. E para solucionar isso é necessário atuar fora da lei. Vai me dizer que você não agiria de forma ilícita para pegar um criminoso que matasse um filho seu ou estuprasse sua mulher e ficasse impune? Não se trata de vingança, e sim de punição. Mas, como eu disse, tratam-se de situações extremas e raras. E mesmo assim, aquele que o fizer estará correndo o risco de ser responsabilizado por seus atos. Agora a prática cotidiana de tortura ou da arbitrariedade policial é sim totalmente condenável.
 

Nenhum comentário:

Postar um comentário