terça-feira, 25 de maio de 2010

Um dia normal.

É, mais uma folga acabou! Acordo em meio a uma nuvem de pensamentos aleatórios. Ainda escuro e após uma ducha rápida, como alguma coisa e dou um beijo em minha esposa que ainda está meio dormindo mesmo se esforçando para ficar acordada, passo pelo quarto de meus filhos onde dou um beijo em cada um e parto para a garagem, é o carro ta vazando óleo de novo, tenho que falar como mecânico e não posso esquecer de ajeitar isso antes da vistoria. O carro demora a pegar, faz tempo que está trabalhando só no gás. Na rodovia o ar fresco me faz pensar, minha arma está na cintura, nada de colocá-la no colo ou embaixo da perna. O aço incomoda um pouco, mas tenho que ter o elemento surpresa. Chegando perto do batalhão já se encontra poucos lugares para estacionar, se já tivesse feito a vistoria poderia cadastrar o velinho na p/2, mas ainda tem a multa que não deu para pagar esse mês. Ah, tem uma vaga ali, perto do fusca do tenente QOA. Troco de roupa no carro mesmo e corro para a reserva de armamento.


- Fala Rogério, bom dia irmão! Me dá o de sempre, rsrsrsrs.

- Ta sabendo da PEC 300? Foi adiada de novo! Droga!

- Não se pode deixar de acreditar, um dia tudo será diferente.

-É, assim que passarmos dessa para melhor.

-Ta com problemas em casa de novo?

E com isso termina mais uma conversa agradável com o reserva, um excelente armeiro, mas como todos nós cheio de problemas. Será que a Fernanda vai lembrar de pagar o aluguel? Melhor ligar pra ela.

-Marcelo! Tem um DRD pra você, aparece na SsJD para responder assim que regressar.

-Sabe do que se trata? Não lembro de ter feito nada errado.

-Foi pelo que não fez chapa, esqueceu o prazo de cadastramento, era só até ontem.

-Ontem eu estava de folga e ninguém me disse nada sobre esse cadastramento.

-Pra isso o DRD, explica tudo nele!

-Sim senhor, tenente. Sim senhor!

Só faltava essa, bom meu dia começou.

PB de 12 horas, tudo tranquilo, os pedidos de NF são ignorados, o que fazer para poder aliviar a bexiga? Uma garrafa pet seria o ideal, mas a via está muito movimentada e colocar meus documentos para fora mesmo dentro da VTR não é uma idéia muito boa. Melhor pedir para abastecer e aproveitar e ir ao banheiro. Cara o calor hoje está de morte, minha camiseta está encharcada o suor é inevitável ainda mais usando minha nova capa de colete, afinal comprei uma para não contrair uma doença de pele com as capas da reserva de armamento. O dia passa lento e logo por falta de setor assumimos nosso primeiro 721, cinco carros e nenhuma vítima, o dia não está tão ruim assim. A supervisão chega pedindo documentação, ordens de serviço e insinuando que não estamos onde deveríamos estar e ao tentar explicar que fomos chamados para atender o 721 só escuto a frase do ano: “- Reponde no DRD”. E o oficial sai anotando algo e rindo com seu motorista, esses papagaios de pirata... mas não posso me deixar abater.

Hora do almoço a quentinha atrasou de novo, e como há dois dias atrás chegou fria. É hora de revezar para o almoço. Droga, esqueci da água! Vai ter de ser a seco mesmo.

-André tem um garfo? Esqueceram de deixar o talher de novo.

-646,646 maré XX, 646,646, maré XX.

-Informe maré XX.

-Correto, to com todos empenhados e você vai assumir um 120, o endereço está sendo passado via GPS. Copiou?

-Copiei maré.

O telefone toca e é a Fernanda para visar que pagou o aluguel, caramba tinha esquecido de ligar. Ao chegar ao local da ocorrência não encontramos a vítima e encerramos tudo no 912. Ao votar para o PB o operador nos diz para retornar ao local da ocorrência e nós mais uma vez partimos para o local. Dessa vez encontramos uma senhora toda despenteada e muito nervosa no portão de sua casa e o André tenta acalmá-la enquanto eu procuro saber o que aconteceu. Seu marido chegou de manhã e após uma discussão feia os dois caíram no pau e ele saiu. Delegacia, certo? Errado! A moça não quer ir para a DP com a gente, bom melhor pra nós, menos trabalho. Telefone toca, minha mãe. Como sempre reclamando de meu pai que não a entende e lá se vão 42 minutos de minha vida escutando as neuras de minha progenitora e já esperando a ligação de meu pai, que não demora. Será que fechei o vidro do lado do carona? Essa dúvida vai me perturbar até o fim do serviço.

Confusão no rádio, pedidos de prioridade e gritos, tem gente com problemas, pra variar dessa vez não sou eu, ainda lembro da última vez que tive problemas. Além de quase morrer ainda respondi na justiça por uma acusação falsa. Coisas da profissão. Os ânimos estão alterados no rádio e entre um grito e outro escuto “policial baleado”, tomara que não tenha sido nada grave e dou outra dentada em um sanduíche de mortadela que levei para o meio da tarde. Fico pensando que ainda terei que ir para a segurança à noite, mas meus pensamentos são cortados pelo barulho de tiros, uns seis ou sete. Foi tudo muito rápido e o Andre ainda com o coração batendo a mil por hora e com a PT.40 na mão pergunta se estou bem. Um carro, mais uma vez, a segunda só esse mês passa atirando na gente. PB, que idéia maravilhosa para me colocar de alvo dos marginais. Um dia eles vão acabar acertando.

Falta pouco para acabar o serviço, mais um dia em que, aparentemente, podermos voltar as nossas vidas normais depois de mais um serviço de RP (visibilidade). A ansiedade é muita. O capitão falou que está cortando gente na segurança. Será que estou na lista, tão perto do aniversário de minha mulher? Melhor não sofrer por antecipação. Uma pessoa para o carro perto da VTR e fala algo incompreensível à distância que está e o Andre leva a mão ao coldre, eu destravo o fuzil e nos preparamos para o pior, lembrando do Geraldo que foi atender um “cidadão” dentro de seu carro e colocou a cabeça pertinho da janela e acabou tomando um tiro no queixo de baixo pra cima, por sorte não morreu e ainda podemos vê-lo varrendo o pátio do BTL gritando que é um cão. O cidadão fecha a cara, desiste da informação e sai resmungando algo e balançando a cabeça. Será que estou ficando maluco também? Melhor procurar apoio psicológico, mas quando? Ou estou na segurança ou de serviço, isso quando não estou “morto” em cima da cama. A noite cai e com ela um sentimento de dever cumprido. Estou vivo, bem e não fui preso, e a única coisa que tenho que me preocupar são com dois DRDs para responder, sabendo que vou explicar, mas não justificar, assim o saldo foi positivo, olhando por um ângulo otimista. Começo a escutar um despertador tocando a distância e o barulho vai aumentando gradativamente até me fazer acordar, olho em volta e estou em meu quarto e olhando para o relógio vejo que está na hora de trabalhar, que sonho ingrato, depois de 4 horas de sono voltando da segurança só consigo sonhar com o trabalho, bom, pelo menos dessa vez não sonhei com minha arma engasgando como sempre.

Fonte: Praças da PMERJ.

Sabe com quem você está falando? O ilustríssimo ninguém! Tristeza.

O delegado passa por mim apressado, me entrega um papel com nomes e respectivos números de telefone. Pede pra ligar e cancelar a reunião da tarde. Motivo: viagem. Tá... Pego o primeiro nome da lista: Daniel Inácio (fictício, né, meu povo...). Chama. Mal o telefone toca o sujeito atende.

- "Alô". (Voz de homem).

- "Oi, bom dia, o senhor Daniel Inácio, por favor".

- "Quem gostaria?" Ele perguntou. Só disse que era aqui da polícia e ele continuou. "Então você quer falar com o CORONEL Daniel Inácio"?

- "Por favor". Respondi, analisando o esmalte das unhas. E alguém quer saber a patente dele? Pensei.

- "Hummm, só um minuto, vou transferir pra ele". E a ligação caiu... Eu ligo de novo. Essas coisas acontecem. E ouço a voz do mesmo atendente.

- "Alô".

- "Oi, falei com você agora mesmo, pedi pra falar com o coronel Daniel Inácio e a ligação caiu". A cor e a textura desse esmalte são realmente fabulosas.

- "Ahhh, agora sim!!!" Comemorou ele. Tirei os olhos do esmalte e ele continuou: "Então você quer falar com o CORONEL Daniel Inácio??? Pois pode falar". Descruzei as pernas, me ajeitei na cadeira com os cotovelos na mesa, franzi a testa e conferi pra ver se estava entendendo direito. Onde é que fica o coronel na hierarquia militar? Não sei. Perguntei pausadamente:

- "Espera... então O SENHOR é o coronel Daniel Inácio?" Olhei de cantinho para o Parceiro que estava lendo alguma coisa. Ele já olhou pra mim rindo... Pisquei pra ele como quem diz "aguarde".

- "Sou eu mesmo. Agora você pode falar, minha filha". Gente, quase não acreditei!!! Será que esse corno pensa que é a rainha da Inglaterra? Pior! Esse sujeito tá se achando no direito de me enquadrar porque eu não o chamei de coronel??? Respirei fundo e a maldade já estava expressa no sorrisinho de um lado só da boca. Eu disse:

- "Ahhmm, não precisa mais não, viu? NÃO É NADA IMPORTANTE, CORONEL? NADA!" E pá! Bati a porcaria do telefone na cara dele, atendendo ao consagrado princípio da reciprocidade muito prestigiado no relacionamento entre as polícias.

Assim, um coronel veio marchando sozinho pra reunião que não teve, pra deixar de ser babaca. Palhaço!

Moral da história: Secretárias precisam dominar a arte de lidar com as vaidades; Agentes de polícia, não. Mulher na polícia é o quê?

Postagem retirada do blog Mulher na polícia

Muitos dos nossos coronéis estão precisando levar uma dessas para aprender a baixar o nariz...