A maioria das pessoas não tem o luxo de um segurança particular, de um carro blindado ou duma arma de fogo. Para algumas dessas pessoas, o que as protege contra a violência é simplesmente a sorte. Para outras, é Deus. E para algumas (a minoria, infelizmente), é a prevenção ou a ação rápida. Entretanto, todas possuem algo em comum: desejam que a polícia faça bem seu trabalho e mantenha a cidade a salvo de criminosos ávidos por trazer a dor e o prejuízo aos cidadãos. E para alcançar esse objetivo, a polícia dispõe de uma das mais antigas e valiosas ferramentas: a busca pessoal.
Normalmente, quando ocorre um crime e as informações ainda são incompletas, a polícia vasculha lugares e pessoas. O objetivo é localizar as ameaças (os criminosos), os lugares onde eles podem estar escondidos e os objetos que podem ser utilizados para ferir ou matar pessoas. Então, o policial pode verificar vários ambientes antes de encontrar o lugar exato. Ele ainda pode parar, entrevistar e realizar uma busca em dezenas de pessoas antes de pegar a certa. Mas se isso não for feito, então os delinquentes jamais serão alcançados.
Contudo, o grande problema da busca, principalmente da busca pessoal, está no fato de que algumas pessoas acham que fazem parte de um grupo seleto e, portanto, isento de ser submetido ao procedimento. Seja pela cor da pele, pela religião, pela riqueza ou profissão que possuem, as alegações para não serem vistoriadas são inúmeras. A indignação e o constrangimento entre essas pessoas são sentimentos corriqueiros. Agora, pergunte a alguém que já foi assaltado ou agredido se ele se incomoda com as entrevistas e as buscas pessoais naqueles que se encaixam na descrição do suspeito. Pergunte à família de alguém que foi assassinado se ela se importa. Pergunte a uma pessoa que foi violentada se ela se aborrece com isso.
Eu entendo que pessoas inocentes se sintam constrangidas com essas buscas pessoais, uma vez que o procedimento é invasivo. Eu mesmo já fui revistado antes de ser policial. Meu carro já foi vistoriado e até a viatura descaracterizada que eu dirigia já foi parada. Sei também que o procedimento é desconfortável eventualmente. Porém, negligenciar a possibilidade de alguém estar armado é sempre perigoso tanto para o policial quanto para o cidadão. Mas se você é inocente, não há nada com que se preocupar.
Mas um caso interessante ocorreu com um policial no Estado do Paraná. Ele narrou a seguinte situação:
“Um indivíduo, aparentemente sob efeito de entorpecente, varou a via preferencial e colidiu o veículo dele no meu. Eu estava acompanhado de minha família, eis que o indivíduo desceu do veículo e veio em minha direção dando a impressão de estar armado, colocando a mão sob as vestes. Achei necessário sacar minha arma e me identificar como policial para realizar a abordagem e a busca pessoal para garantir minha integridade física e de minha família, já abalada com o acidente. Ocorreu que o indivíduo se sentiu ofendido, pois para realizar a busca pessoal ordenei que o mesmo ficasse de joelhos, cruzasse as pernas e entrelaçasse os dedos atrás da nuca. Dessa forma fiz a busca pessoal, mas agora estou respondendo a um processo administrativo.”
Bem! Não conheço técnica que ensine o policial a fazer abordagens e buscas pessoais quando está sozinho. Mas uma coisa eu posso afirmar: o policial paranaense agiu certo e de acordo com aquilo que aprendeu no tocante à busca pessoal. Alguns instrutores podem até dizer que o policial errou ao contrariar a orientação de que jamais se deve atuar sozinho. Isso se aplica perfeitamente ao trabalho policial coletivo, mas é sem valor quando se está na iminência de uma agressão. Então, tanto faz se ele está sozinho ou com um colega ou com um batalhão. Alguém que percebe que vai ser atacado deve fazer alguma coisa para se defender.
Antes de avaliar o procedimento adotado pelo policial paranaense, é importante falar sobre a PERCEPÇÃO DE AMEAÇA1. A percepção de ameaça é aquilo que norteia a conduta do policial. Quer dizer, muito daquilo que o policial faz está baseado nas ações do suspeito. Se ele é obediente, então o policial se aproximará calmamente, fará uma entrevista e, se achar necessário, fará a busca pessoal. Entretanto, se o suspeito resiste ou dá dicas de que vai reagir, então o policial aumentará o nível de força para alcançar seu objetivo. E adivinhe que objetivo é esse? Estar a salvo! Mas não se engane com suspeitos de comportamento submisso, pois eles estão avaliando a atitude do policial para concluir se atacam ou obedecem. Assim, um policial de atitude frouxa ou relaxada pode provocar a reação do suspeito. E como não é possível determinar se a pessoa abordada é um cidadão ou um criminoso, o policial deve sempre ser cauteloso e firme. E é aqui que a atitude do policial esbarra nos sentimentos daquelas pessoas que se acham acima de qualquer suspeita.
A equação no caso narrado pode ter sido a seguinte: noite + desrespeito à sinalização + acidente de trânsito + motorista com raiva + motorista se aproximando com olhar fixo + motorista colocando a mão sob a camisa + possível arma escondida = iminência de um ataque. Foi isso que deu início à reação do policial, e o fato do motorista estar blefando ao simular a posse de uma arma não faz a menor diferença. Naquele instante, o policial precisava garantir sua segurança e de sua família. Ele sabia que a situação estava contra ele, pois o motorista já estava fora do veículo caminhando diretamente em sua direção e a um ou dois segundos de sacar uma arma sob a camisa.
A capacidade de um homem armado persuadir seus opositores é tão grande que mesmo que ele não mostre a arma ou apenas simule a intenção de sacá-la já é suficiente para provocar medo. Talvez, esse homem ainda seja capaz de provocar uma fuga em massa. Apenas para ilustrar esta real possibilidade, relato outro fato ocorrido há cerca de 20 anos no Mirante, um conhecido ponto de encontro em Belo Horizonte/MG. Neste local, as pessoas aproveitavam o fim da madrugada para namorar, conversar com amigos, etc. Certo dia, eu estava numa rua que dava acesso ao ponto mais alto do Mirante quando vi um homem sendo perseguido por quatro vendedores ambulantes que trabalhavam nas redondezas. Em dado momento da perseguição, a vítima fez meia-volta, levantou a parte detrás da camisa com uma mão e alcançou um objeto escondido com a outra. Quando vi a cena, logo pensei: “Ele está armado!” Os perseguidores também entenderam o gesto e chegaram à mesma conclusão. E o que eles fizeram? Fugiram num piscar de olhos! Mas para minha surpresa, a vítima não estava armada, mas apenas blefando para se safar do espancamento certo.
Assim, muito da atitude do policial do Paraná se relacionou com a comunicação não-verbal, ou seja, os gestos e posturas que possuíam um significado óbvio no momento. Ele entendeu a mensagem do motorista e tomou a única decisão adequada ante a iminência do ataque. Ele também se identificou, o que é de grande importância, já que o motorista poderia ser um policial. Agora, imagine se ele hesitasse ou aguardasse para ter certeza se o motorista estava armado ou não. Se houvesse uma arma, então ele não teria tempo para se salvar.
Mas ordenar que o suspeito se ajoelhe não parece um exagero, já que é possível realizar uma busca pessoal com ele de pé? Sim e não! Se o policial estivesse realizando a abordagem com auxílio de outro policial, então haveria segurança para permitir uma busca com a pessoa de pé. Mas o policial estava sozinho e o motorista se comportou como se estivesse armado. A solução foi colocá-lo de joelhos e com as pernas cruzadas para restringir sua mobilidade, uma vez que é mais fácil se aproximar e controlar a situação quando o suspeito está imóvel.
Outra vantagem em interagir com alguém que está relativamente imobilizado tem relação com o processo de ação e reação. Quando um suspeito faz um movimento, o policial assiste esse movimento, depois processa a informação e só então reage. Assim, o policial está sempre atrasado em relação à ação do suspeito. Por isso a ação é mais rápida que a reação. Portanto, manter alguém ajoelhado e com as pernas cruzadas força esse indivíduo a realizar mais movimentos antes de iniciar uma fuga ou um ataque (primeiro ele precisa descruzar as pernas, depois tomar impulso e aí ficar de pé). O excesso de movimentos do suspeito dá ao policial tempo adicional (segundos ou décimos de segundo) para perceber o que está ocorrendo e se preparar para agir.
Curiosamente, é mais difícil girar o tronco quando se está de joelhos e com as pernas cruzadas ou contra uma parede e com as pernas abertas em comparação à posição de pé. Uma pessoa de pé pode girar o tronco e observar tudo que ocorre a sua volta, já que as pernas colaboram na torção do corpo sem que se perca o equilíbrio. Mas quando se está ajoelhado e com as pernas cruzadas, a capacidade de torção do corpo se limita ao giro do tronco, restringindo o campo visual do suspeito. Isso representa uma vantagem tática para o policial, já que o suspeito não consegue observar tudo que se passa ao seu redor. É mais difícil agir contra o desconhecido!
Uma frase é unânime nas academias de polícia do mundo inteiro. E ela diz que “as mãos matam!” Por isso não há nada de estranho em determinar que alguém com um comportamento hostil mantenha as mãos sobre a cabeça. O objetivo disso é apenas dificultar o acesso à arma escondida, mesmo que ela não exista.
Finalmente, todos sabem que as ruas são perigosas e que bons homens morrem todos os dias. Mas quando os bandidos estão à solta, é sempre a polícia a única responsável por trazer a segurança que todos desejam. Parar, entrevistar e revistar alguém ajuda a fazer exatamente isso!
1 “O objetivo de todo treinamento sobre o uso da força deve ser a percepção de ameaça, fazendo o policial reconhecer as dicas de ameaça e responder na hora certa. Esse tipo de treinamento deveria se concentrar nos indicadores ou sinais que mostram uma intenção hostil e a capacidade do criminoso de colocá-la em prática. O treinamento de uso da força deve ser aplicado na percepção de ameaça para que os policiais possam reagir a uma agressão iminente e não a um ataque atual. Para isso, é fundamental o policial se concentrar nas dicas de ameaça que indicam a capacidade do suspeito em ferir e/ou matar, e então responder de modo adequado, sem sugestões para esperar a agressão ocorrer. A falta dessa avaliação pode colocar o policial em desvantagem, inibindo sua ação e deixando pouco tempo para uma resposta eficaz. A avaliação da ameaça permite que o policial inicie a ação e assuma o controle da situação antes do criminoso. Uma política de uso progressivo da força não deve determinar que o policial espere até que a agressão ocorra, pois a ação é sempre mais rápida que a reação. Um policial não pode determinar o que há na mente de um criminoso a não ser pelo que ele disser e a linguagem corporal indicar. O policial precisa agir a partir de dicas de ameaça percebida antes que o suspeito o faça, colocando assim, o policial em vantagem.” (Humberto Wendling, A interferência do medo e do estresse nas habilidades policiais treinadas para o enfrentamento de situações com confronto armado, 2007).
Foto: Bettmann, 1978.
Humberto Wendling é Agente de Polícia Federal e Professor de Armamento e Tiro lotado na Delegacia de Polícia Federal em Uberlândia/MG.
E-mail: humberto.wendling@ig.com.br
Blog: www.comunidadepolicial.blogspot.com
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