O policial “ou se corrompe, ou se omite, ou vai para a guerra”: este é oensinamento deixado pelo célebre filme Tropa de Elite, ao discutir a postura ideal do policial frente aos mandos e desmandos vigentes no “sistema” de segurança pública, do qual a polícia é um agente expressivo e central, mas não único. Frente às possibilidades de engajamento individual de cada policial durante sua atuação, chegamos à questão: até que ponto é válida a dedicação ao serviço? Quando devemos nos eximir de atuar na dinâmica social em que estamos inseridos?
Nunca devemos esquecer que estamos sujeitos a uma série de normas que nos obrigam a sermos agentes que devem intervir em algumas ocasiões. Neste contexto, ser omisso significa infringir a lei, e estar vulnerável à proporcional punição, caso a falha seja descoberta. Para o policial que possui a mínima intenção de se manter juridicamente inatacável, omitir-se não é uma postura querida.
Além disso, há o problema moral. Existe uma passagem que conta a estória de um médico que, do alto da sua omissão, atrasa o atendimento a uma urgência, para fazer algo pessoal. O paciente, por falta de atendimento em tempo hábil, acaba morrendo no corredor do hospital. O médico, ao ir verificar despreocupadamente o paciente falecido, acaba se dando conta que se tratava de seu filho, que sofrera um acidente de trânsito, e fora socorrido àquele hospital.
A ilustração pode perfeitamente se aplicar ao atendimento de uma ocorrência, e mesmo que a vítima em questão não seja parente ou conhecido do policial, é duma desumanidade sem tamanho estar investido na função policial e deixar de atuar por desídia individual.
Em relação ao treinamento e cuidados com a segurança no desempenho do serviço, existe a peculiaridade do zelo por si próprio. É temeroso se deixar defasar tecnicamente em virtude da omissão do estado, e é perversa a corporação policial que deixa seus homens precariamente instruídos e educados no sentido de diminuir os riscos inerentes à profissão.
Por outro lado, há os que querem justificar ações de abuso da força e até execuções extrajudiciais sob o ponto de vista da “salvação da sociedade”. Se sujeitam à possibilidade da vergonha pública, sendo tratados como criminosos (e, a rigor, não são menos que isso) e da pena que a justiça irá lhes impor. O policial que pensa deste modo, em se utilizar da ilegalidade alegando prestar um serviço à sociedade, ou são ingênuos ou são maldosos, por quererem justificar outro tipo de interesse de maneira “nobre”.
Os limites estão aí: a lei e a vida. Transpor o que a legalidade determina é temeroso e possivelmente trágico. Se omitir e expor a vida própria e dos demais é imoral e condenável. A produtividade, neste contexto, é proporcional aos meios oferecidos – ir além disso é se utilizar de expedientes escusos. A linha da atuação policial ideal é tênue, e mais complexa do que o “se omitir, corromper ou ir para a guerra”, mas é ela que temos que perseguir, ou seremos lançados à inusitada condição de culpados – por excesso ou escassez de atuação.